Duas escolas, uma receita

A propósito da promoção na qualidade da educação nas escolas brasileiras, a Folha de São Paulo publicou em 31 de maio de 2009 uma reportagem subordinada ao título: O QUE UNE O COLÉGIO PARTICULAR E O PÚBLICO QUE OBTIVERAM O MELHOR DESEMPENHO NO ENEM NA GRANDE SÃO PAULO

O artigo refere que apesar das diferenças entre as duas instituições e seus alunos, alguns pormenores são comuns:
1. Família comprometida
2. Objetivos claros e cobrança de resultados
3. Educadores comprometidos

Proponho a leitura do artigo:

O QUE UNE O COLÉGIO PARTICULAR E O PÚBLICO QUE OBTIVERAM O MELHOR DESEMPENHO NO ENEM NA GRANDE SÃO PAULO

Duas escolas, uma receita

por Rafael Balsemão

Cerca de 18 km separam as duas instituições de ensino da Grande São Paulo que obtiveram as melhores notas no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) nas redes pública e particular, respectivamente.

É quase a mesma distância, em pontos (17,46), que separa a nota da escola Profa. Lúcia de Castro Bueno, de Taboão da Serra (melhor colocação da rede pública), da obtida pelo Colégio Vértice, no Campo Belo (maior pontuação entre as particulares de SP).

A melhor estrutura, tanto física quanto pedagógica, explica o fato de o Vértice atingir 75,96 pontos no Enem e de a escola de Taboão da Serra, 58,50. Um conceito bom para a realidade da rede pública, mas abaixo da média das particulares do Estado (60,4).

Mas a diferença entre ambas tende a diminuir se avaliados aspectos comuns: o comprometimento dos pais com a instituição de ensino, a qualificação e a motivação dos professores e o incentivo à leitura e aos estudos extraclasse. A seguir, os ingredientes básicos dessa receita.

1. Família comprometida
No colégio de Taboão da Serra, a relação com a família é forte desde o ingresso dos cerca de 120 alunos na quinta série do ensino fundamental. "A regra do jogo aqui é que o aluno queira estudar e que os pais queiram apoiar", afirma Camilo da Silva Oliveira, 57, diretor da instituição pública que tem 900 alunos.

No ambiente escolar, estão vetados celular, tocador de MP3 e boné. Atrasos não são tolerados. Todas as normas de convivência para pais e alunos estão afixadas nos muros do colégio. "Enquadro as famílias", resume Camilo.

O papel dos familiares na educação também é central no Vértice. "Temos um regime de cumplicidade e parceria com os pais", explica Adilson Garcia, 59, um dos oito diretores do colégio, que também tem cerca de 900 alunos.

No final do ano passado, os pais de 25 estudantes que não estavam adaptados à linha pedagógica do Vértice foram chamados para uma conversa. Assinaram um termo de compromisso.

Para que os filhos continuassem na escola, os estudantes teriam de cumprir um programa pré-estabelecido pelos professores. "É uma forma de dar uma sacudida e chamar à responsabilidade", diz o diretor. Apenas três dos convocados acabaram não se enquadrando e tiveram que deixar a escola.

Segundo a pedagoga Neide Noffs, 60, diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP, quando os pais se envolvem com a qualificação da escola, a direção se sente motivada. "Vira uma construção coletiva."

2. Objetivos claros e cobrança de resultados

O ensino no Vértice parte do princípio de que os estudantes devem criar hábitos de estudo ao longo de todo o bimestre, não somente nas semanas de prova. Para isso, o colégio instituiu as "VAs" (verificações de aprendizagem), que acontecem semanalmente ou a cada 15 dias.

Os testes valem 30% da nota final do bimestre e obrigam os estudantes a estar sempre em contato com os cadernos. "Você tem que estudar. Não dá para empurrar com a barriga", afirma Beatriz Correia, 17, aluna do terceiro ano do ensino médio.

O diretor acredita que o sucesso do Vértice se deve à dedicação dos profissionais e dos alunos. "Para aguentar o ritmo daqui, tem que gostar." E mais: acreditar em um sistema que prima por regras claras e por cobrança de resultados. "Nossa disciplina é bem definida.

As regras são muito bem explicadas", diz Adilson.

Os estudantes do terceiro ano do colégio particular da zona sul sabem disso. Seguem uma carga horária de estudos pesadíssima. De segunda a sexta, entram às 7h15 e saem às 19h, fora as atividades aos sábados pela manhã, quando geralmente são realizados simulados para o vestibular.

"Deixo de fazer muita coisa, me sinto presa. Chego aqui de dia. Quando saio, já é noite", afirma Marina Bonfim de Azevedo, 17, uma das estudantes que prestará o Enem neste ano.

A pressão para manter o bom desempenho da escola é grande, afirmam os alunos ouvidos pela Revista. "A galera pira com esse negócio", diz um dos alunos do terceiro ano. A recompensa do esforço vem na taxa de aprovação no vestibular. Dos 64 alunos do terceiro ano, em 2008, 15 (23,44%) ingressaram em faculdades que utilizam a prova da Fuvest como forma de seleção. Em média, 47% dos alunos do Vértice são aprovados por ano nas concorridas faculdades públicas.

Na escola Profa. Lúcia de Castro Bueno, os objetivos também são claros, embora a entrada nas melhores universidades do país ainda não seja uma realidade. No último vestibular, nenhum estudante da instituição de Taboão da Serra foi aprovado na USP, por exemplo.

Para chegar lá, a escola estadual adotou um currículo próprio, baseado nos vestibulares das principais universidades do país, como a própria USP, a Unicamp, a Unesp e as federais. "São aquelas que estão antenadas com o mundo. O ensino médio tem que mirar algo", afirma o diretor, cuja escola também se diferencia das demais da rede pública pelo fato de não acatar a progressão continuada. A escola reprova
aluno com baixo rendimento.

3. Educadores comprometidos

Enquanto a média salarial dos professores na escola Profa. Lúcia de Castro Bueno é de cerca de R$ 1.500, no Vértice fica em torno de R$ 6.000.

Mesmo com tamanha diferença salarial, o comprometimento parece o mesmo. A unidade pública da periferia da Grande São Paulo conta com educadores formados pela USP, pela PUC e pelo Mackenzie. Além disso, o trabalho dos docentes é afinado toda terça-feira, quando acontece o chamado "horário de trabalho pedagógico coletivo".

É uma reunião em que, durante duas horas, os problemas dos alunos são discutidos. "De vez em quando, saem uns quebra-paus", conta Maria Luzia Zanqueta, 58, coordenadora do Ensino Médio. "É um trabalho árduo."

É exatamente na valorização do professor que as duas escolas mais se aproximam. "Para dar aula aqui, a pessoa veste mesmo a camisa", afirma o diretor do Vértice, que conta com vários ex-alunos entre os docentes.

A professora de matemática Ana Carolina Koloszuk, 28, é uma delas. "Vivenciei toda a minha fase escolar aqui. Conheço todos os critérios", explica ela.

Quando foi contratada para lecionar matemática na Profa. Lúcia de Castro Bueno em 2004, Milena Policastro, 29, não tinha a menor ideia do que ia encontrar pela frente. Ex-professora do colégio Objetivo, admite que estava receosa antes de ingressar na rede pública. "Ouvia horrores. Vim com medo", confessa ela, que faz mestrado na USP.

"Depois vi que aqui é o meu lugar. Todo o corpo docente é muito preparado."

Além de ensinar cálculos e equações, Milena dá aula de engajamento. Mesmo sem conhecimentos profundos de arte dramática, montou no ano passado um grupo de teatro com os alunos interessados. Os ensaios aconteciam no final da tarde, após as aulas, em uma rotina carente de atividades extracurriculares.

Tal envolvimento é a base para qualquer instituição que queira se destacar pela qualidade do ensino. "Professores preparados e uma boa relação docente-aluno geram resultados positivos", diz Heliton Ribeiro Tavares, 42, diretor de avaliação da educação básica do Inep, instituto do Ministério da Educação responsável pelo Enem.

Direto da sala de aula, Milena resume bem o desafio dela, dos colegas na Profa. Lúcia Bueno de Castro e dos educadores do Vértice: "Não há milagre na educação. Você tem que trabalhar."


Dois mundos

Um aluno do terceiro ano do Vértice paga R$ 2.564 de mensalidade. Dispõe de infraestrutura que contribui para o bom desempenho no Enem: pátio arborizado, salas de aula aconchegantes e pequenas - são, no máximo, 34 alunos por turma - e uma quadra de esportes simples, mas bem cuidada. O colégio oferece ainda aulas de dança, teatro e culinária, entre outras.

"O ambiente escolar é fundamental", diz Heliton Tavares, diretor do Inep. Ele destaca também as atividades extracurriculares. "Agregam valor ao indivíduo. Quem tem acesso a elas, passa a ser um aluno com nível crítico maior."

Localizada em uma região carente, a escola Profa. Lúcia de Castro Bueno não consegue oferecer as mesmas oportunidades. "Na parte do ensino, falta pouca coisa. Mas não temos campeonatos de esporte, uma cantina, excursões", reclama Ronaldo Lohman, 16, um dos 35 alunos do ensino médio. Sua colega Juliana Ebner, 16, completa a lista: "Também não temos acesso a laboratórios".

Discrepâncias que se refletem no resultado e na adesão ao Enem. Dos 32 matriculados na instituição pública, 21 prestaram o exame. A nota 58,50 a deixou na 2.596ª posição do ranking nacional.

No colégio particular, 63 dos 64 matriculados no terceiro ano foram os responsáveis pela pontuação que fez do Vértice o "campeão do Enem 2008" na capital paulista e o décimo colocado no país.

Postado em 04 de maio de 2009 por João José Saraiva da Fonseca

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