A PEDAGOGIA NO ENSINO SUPERIOR E O INSUCESSO ESCOLAR

Continuando na procura de possíveis contribuições para a discussão sobre os propósitos e as estratégias para ensinar e aprender, será que a solução passa também pela transformação das propostas de ensino aprendizagem do ensino superior

Proponho que leiam abaixo o texto abaixo de: João Vasconcelos Costa

A PEDAGOGIA NO ENSINO SUPERIOR E O INSUCESSO ESCOLAR

João Vasconcelos Costa

É bem sabido que há uma pedagogia própria do ensino superior, melhor dito até pedagogias, no plural, porque com algumas diferenças na pré e na pós-graduação e principalmente com o crescimento do ensino à distância e do "e-learning". Mais difícil é caracterizar a nossa situação em relação à prática pedagógica nas universidades. Nem eu nem ninguém está a assistir regularmente a aulas ou a ver como se fazem os exames. Mas já assisti a centenas de conferências e comunicações científicas, que dão uma ideia aproximada da capacidade pedagógica, assim como se dispõe da avaliação e das críticas dos estudantes.Os antigos ofícios aprendiam-se fazendo-se. O mesmo se passa ainda hoje com o ofício de ensinar na universidade.

Os professores universitários não têm preparação pedagógica inicial e mesmo ao longo da sua vida profissional raramente têm a oportunidade de participar em cursos, seminários ou reuniões sobre pedagogia e métodos de ensino. A pedagogia fica ao sabor de cada um, do seu instinto e dotes naturais de comunicador. Creio que a grande maioria dos professores ainda vê o ensino principalmente como transmissão de conhecimento principalmente através das aulas. Muitos estarão atentos a todas as modernas inovações pedagógicas, mas provavelmente muitos mais mantêm uma atitude conservadora. Isto não significa que a generalidade dos professores negligencie a qualidade do ensino, a que são devotados (em muitos casos gostam muito mais de ensinar do que investigar), mas principalmente que não têm incentivos para desenvolver a sua capacidade pedagógica e que, muitas vezes, nem dispõem de informação sobre a evolução da pedagogia universitária.E, no entanto, a pedagogia do ensino superior tem vindo a progredir imensamente, com novos conceitos e novos métodos. Isto depende em grande parte do que se entende serem hoje os objectivos educacionais. Para objectivos diferentes, obviamente os métodos são também diferentes.O objectivo central hoje, na acepção dita de banda larga, é a aquisição de mentalidade científica e de rigor, de capacidade de raciocínio e de análise, de imaginação criadora. Isto está mais dependente de uma formação científica sólida e de base que da informação especializada ou do treino técnico rapidamente desactualizado. O que se mede mais à entrada no mercado de trabalho são aptidões que informações. É o domínio dos instrumentos intelectuais, é a capacidade de integrar interdisciplinarmente esses instrumentos, é o domínio de línguas, é o domínio da nova linguagem da era da informação e da computação, é a capacidade de comunicação, é principalmente a capacidade de continuar a aprender. Pode-se dizer como fórmula que se pede cada vez mais pessoas educadas que pessoas instruídas. Não se esqueça também que a filosofia e utilidade social da universidade implicam que a oferta de cursos não se pode só basear numa perspectiva exclusiva de objectivos profissionalizantes. As universidades também têm a obrigação de formar pessoas, prepará-las para a vida e para a cidadania, treiná-las como futuros agentes privilegiados do progresso social.Assim, as características distintivas da aprendizagem superior são o desenvolvimento da compreensão e a capacidade de aplicação de conhecimentos a situações práticas variadas. Pode-se resumir toda essa mudança numa fórmula simples e muito significativa: o estudante como sujeito passivo do ensino é hoje substituído pelo sujeito activo da aprendizagem. O ensino tradicional é muito unidireccional. É a transmissão de conhecimento e informação do professor para o estudante, que é simples receptor, muitas vezes mais memorizador que compreensor. Na perspectiva moderna, exige-se uma grande participação do aluno. Ele é activo na sua própria aprendizagem, estruturando racionalmente os conhecimentos que vai adquirindo, entrelaçando o que lhe é transmitido com o que ele próprio procura. Com isto, o ensino passa obrigatoriamente a ser mais do que transmissão de conhecimento. É também o facultar de processos e ferramentas para esse papel activo do estudante. Em síntese, a atenção principal na acção educativa transfere-se, em grande parte, do ensino para a aprendizagem.Esta tendência começa, já há muitos anos, pela simples verificação de que o ensino é muito mais eficaz quando participado. É então que começam a ver-se novos processos. As aulas passam a ser mais vivas e mais apelativas, são entrecortadas com perguntas aos alunos, seguem rumos diferentes conforme as respostas e a atitude dos alunos. Uma resposta suscita uma informação adicional que suscita outra pergunta e esta outra resposta. Terminam normalmente por uma breve revisão de síntese, coloquial, com participação dos alunos. O professor passa a ter um papel mais difícil. É como um actor quer tem que improvisar. Já não pode limitar-se a debitar a matéria, tem que estar preparado para a todo o momento ter que reorientar a aula, dar-lhe uma nova perspectiva. Uma pergunta chave é: entre nós, em grande parte dos casos, o que é que uma aula teórica adianta sobre a simples leitura de um livro? Até porque hoje, em casos a que tenho assistido, são verdadeira sessões de leitura, já não do livro que era lido pelo lente medieval, mas agora a leitura textual das transparências que são projectadas.Depois, a ênfase na aprendizagem activa é reforçada pela ideia de que a formação completa e a mais necessária para se vencer na vida activa já não é a do simples conhecimento ou compilação de informação. É necessário desenvolver aptidões ("skills") e comportamentos adequados. Não basta conhecer um texto, é preciso saber criticá-lo e extrair o seu significado, é preciso que a leitura dê indicações de como escrever. Isto é uma aptidão. E é preciso gostar de ler e de usufruir de uma sensação estética. Isto é um comportamento ou uma atitude. Esta nova visão da educação radica também na ideia de que, mais importante que saber, é necessário saber fazer. O ensino passa a dirigir-se a três esferas mentais do estudante. Não só à cognitiva, com o saber tradicional, mas também à esfera sensório-emotiva, isto é, à educação dos comportamentos e atitudes, do saber ser e do saber estar, e à esfera psicomotora, a das aptidões, do saber fazer. Mudou com isto o papel do professor. Mais do que transmissor de conhecimento, é um facilitador da aprendizagem.A partir dos anos oitenta, começa a tomar forma uma nova metodologia de ensino, em que o estudante aprende em módulos delimitados, com um objectivo bem definido e em que a aprendizagem, em grupos interactivos, tem por rumo a resolução de um problema. É o método de aprendizagem por resolução de problemas, de que também há uma variante menos avançada e mais adequada a certas matérias menos práticas, o método da aprendizagem baseada em problemas. Infelizmente, não é tema que possa tratar neste artigo.

Seria necessário todo um livro (ver, por exemplo, Hélder Martins, "Metodologia de aprendizagem por solução de problemas", Editorial Terceiro Milénio, Maputo).Mesmo em relação ao ensino tradicional, vejo com frequência não se atender a aspectos elementares do método pedagógico. Começa logo por ainda se ver que a matéria dada não depende de objectivos de ensino, definidos tendo em conta o "background" dos alunos, as suas motivações, os seus interesses intelectuais e científicos e os seus objectivos profissionais. Pelo contrário, muitas vezes, o conteúdo de um curso traduz apenas os interesses pessoais e científicos dos docentes. Em segundo lugar, não é claro, por vezes, que a organização de um bloco de ensino, seja uma disciplina convencional seja um módulo de um curso modular, assente nestes princípios básicos que são: o ensino deve partir sempre do conhecido para o desconhecido, do simples para o complexo, do concreto para o abstracto, da observação para o raciocínio e do geral para o particular. Embora com a excepção, em relação à última regra, de que por vezes a colecção dos particulares facilita a demonstração do geral.Também se observa que nem sempre estão presentes nos professores alguns critérios do ensino actual: que se deve privilegiar a compreensão em relação à memorização; que se deve treinar para a capacidade de aquisição e assimilação crítica da informação, mais do que facultar imediatamente a informação; que se deve fomentar a interactividade do ensino, com grande participação dos alunos, em aulas vivas, em que eles são confrontados com problemas suscitados pela exposição anterior; que os métodos devem ser diversificados, tornando o ensino mais atraente – aulas tradicionais, sessões tutoriais de revisão de matérias e esclarecimento de dúvidas, sessões de estudo orientado, seminários para discussão de temas ou de artigos científicos, trabalhos e discussão de grupo, visitas de estudo, etc.Muitos cursos e aulas nem sequer são estruturados. Hoje recomenda-se que tanto os cursos como até cada aula por si só, se organize numa sequência de introdução, objectivos, desenvolvimento, exemplos, exercícios, resumo e bibliografia. A introdução deve apelar para a motivação e orienta logo o aluno para o âmbito do problema a estudar, que deve ser claramente definido na secção de objectivos, criando-se a expectativa no aluno e o desafio do sucesso da aprendizagem. Desenvolvimento, exemplos, exercícios e resumo seguem-se numa linha lógica de aquisição de dados e conceitos, de concretização, de reflexão e de assimilação.Os meios audiovisuais são hoje um instrumento essencial do ensino. Pode parecer que isto é uma minudência, pode isto parecer um pequeno exemplo não muito importante, mas cito-o para demonstrar com um exemplo prático e facilmente inteligível o que comecei por escrever, que falta uma preparação pedagógica estruturada na universidade. Até na apresentação de meios visuais de ensino se nota por vezes a impreparação pedagógica de muitos professores. Os meios visuais, nomeadamente os mais vulgares diapositivos e transparências, têm que despertar o interesse, devem simplificar e organizar a instrução, sem repetir a exposição oral, devem facilitar a retenção da informação e devem desafiar activamente a compreensão do seu conteúdo. Do ponto de vista técnico, também há requisitos elementares. Os conteúdos devem ser simples, curtos e enfáticos, devem ser bem visíveis e com dimensões correctas, devem ser correctos, interessantes e não agressivos graficamente. O grafismo deve ser, de facto, muito cuidado porque dele depende muito a eficácia da mensagem. Lembre-se agora o leitor, que passou por muitas aulas, de quantas vezes os meios visuais apresentados faltavam a estes requisitos elementares. Se, na universidade, a pedagogia é insuficiente, a docimologia também o é. Vou só dar o exemplo de uma das formas hoje mais correntes de exames, que são os testes de escolha múltipla. Ainda não encontrei um professor que domine a técnica destes testes, por mais que ela esteja explicada em manuais. O espaço deste artigo não permite uma maior exposição do que alguns princípios básicos, normalmente desconhecidos entre nós (posso fornecer um texto mais completo a quem desejar): a) as quatro respostas erradas devem ser duas que o aluno médio tem obrigação de eliminar (distratores) e duas com alguma plausibilidade; b) a raiz da pergunta deve conter toda a questão e as respostas não devem conter negativas e devem ser homogéneas em tipo e extensão; c) as respostas devem ser distribuídas aleatoriamente; d) as perguntas devem ser independentes umas das outras, embora haja técnicas de perguntas de controlo para aferir do acaso nas respostas, além de que há uma fórmula para correcção de adivinha; e) o cálculo do limiar de passagem não é o de metade das respostas certas, mas sim uma fórmula mais complexa em que, para cada pergunta, entra um índice de dificuldade relacionado com o número de respostas que o aluno tem que eliminar; f) a prova deve ser finalmente aferida conforme os resultados, eliminando-se para todos os alunos perguntas nos extremos da facilidade ou dificuldade ou com baixo coeficiente de discriminação.O insucesso escolarTemos uma taxa altíssima de insucesso escolar. Cerca de metade dos nossos estudantes não consegue concluir os seus cursos no tempo previsto. Há muitas causas para isto, como a má preparação com que vêm do secundário, a falta de articulação entre os dois níveis de ensino, a deficiente qualificação do pessoal docente, com uma percentagem muito elevada de não doutorados (felizmente uma situação já em inversão em algumas universidades), as carências das bibliotecas e parques de computadores, etc. Mas creio que as deficiências da pedagogia universitária e factores com ela relacionados jogam um papel decisivo.Em boa parte, alguns desses factores de insucesso estão ligados à massificação. Mas ela acabou. Em 2001, a oferta de vagas já ultrapassou a procura. A desculpa da massificação está a atenuar-se, mas é óbvio que o incremento da qualidade não vem directamente da simples diminuição do número de alunos, mesmo que com aumento da sua qualificação, e da correspondente maior disponibilidade do corpo docente. A qualidade envolve a actividade científica, passa por melhores meios pedagógicos, infra-estruturas e equipamentos, por uma cultura universitária aprofundada e mais moderna. Parte disto exige apoio e financiamento do Estado, mas boa parte está exclusivamente nas mãos da universidade.Um primeiro aspecto, relacionado com a concepção do ensino, é o da elevada carga escolar a que estão sujeitos os nossos estudantes. Os estudantes universitários portugueses têm um percurso escolar demasiadamente longo mas, além disso, e ainda por cima, estão sujeitos a uma carga horária excessiva, que ultrapassa significativamente o que é norma noutros países e deixa aos estudantes pouca disponibilidade para o estudo, para a procura própria de informação, para a consulta a bibliotecas. Para já não falar que limita quase totalmente outras actividades também essenciais à formação universitária, como a vivência cultural, a prática desportiva, a convivência com os colegas, reforçando a sociabilidade e a solidariedade de grupo.Esta escolaridade excessiva tem duas causas. Primeiro, um número demasiado de disciplinas, por vezes irrelevantes e não essenciais a uma formação ao nível básico da licenciatura, antes adequadas a especializações posteriores. Em segundo lugar, em cada disciplina, um número excessivo de horas de aula, também na mesma lógica de excesso de informação supérflua e não significante, com falta de critério na definição do que é a informação essencial à formação e o que é uma massa informativa indegirível e candidata a rápido esquecimento. É, com frequência, um sinal da compreensível falta de maturidade científica dos professores jovens, que têm um grande gosto de transmitir os seus conhecimentos, mas sem saberem distinguir o essencial do acessório.As disciplinas universitárias, mesmo semestrais, têm em muitos casos que conheço uma carga de trinta e mesmo quarenta horas de aula, só de teóricas. Uma disciplina típica, especializada, numa boa universidade americana tem cerca de quinze horas de aulas teóricas. O excesso de aulas acaba também por ser prejudicial para os professores, sujeitando-os a uma carga docente lesiva de outras actividades igualmente importantes, designadamente a investigação. Rácios altos e programas extensos com grande escolaridade convergem para que a carga docente média nas universidades portuguesas seja das mais altas da Europa.Caricaturalmente, pode-se dizer que há uma tendência para a cada professor uma disciplina, mesmo a cada jovem professor auxiliar recém-doutorado. No entanto, também há universidades e escolas em que já rareiam os assistentes, que entretanto foram fazendo os seus doutoramentos, e em que esses agora professores auxiliares desempenham as clássicas funções dos assistentes, sendo responsáveis pelas aulas práticas. É antipático dizer isto aos mais novos, mas uma boa regência teórica universitária não pode estar ao alcance de um jovem professor. Não se limita a reproduzir a informação dos livros, tem que traduzir toda uma maturidade científica, capacidade de extrair o essencial da vastíssima informação actual, capacidade de integrar os conhecimentos num edifício intelectual coerente. Também se verifica muitas vezes nas nossas universidades a tendência para entregar aos mais novos as disciplinas propedêuticas e generalistas, enquanto que os mais diferenciados se refugiam comodamente nas disciplinas de mestrado ou nas disciplinas finais especializadas das licenciaturas. É o inverso da situação em outros países, em que o cálculo, a física geral, a química geral, a biologia molecular, são dadas pelos professores mais prestigiados. E isto porque se sabe que a aprendizagem dos conceitos básicos e fundamentais é assunto sério, porque é determinante para toda a aprendizagem subsequente.Outra medida que seria essencial para a redução do insucesso seria a introdução da figura do tutor, à inglesa. Cada aluno tem como tutor um professor que é o seu guia de estudos, em todas as disciplinas, não apenas na sua especialidade e que se interessa por resolver junto dos outros professores as dificuldades de aprendizagem. É até mais do que isto, é um formador em geral, com quem se discutem os interesses culturais, políticos e filosóficos, com quem se troca impressões sobre a actualidade e as notícias. É óbvio que, com a carga docente actual e com a necessidade de praticar a investigação, tudo isto é teórico. Seria precisa uma revisão dos rácios que contemplasse esta função de tutoria.Tanto quanto sei, a Universidade do Minho é a única universidade que adoptou um plano de combate ao insucesso com base fundamentalmente em práticas pedagógicas modernas.

Conforme uma comunicação de Cecília Leão ao 1º Simpósio Nacional do CNAVES (2000), esse plano baseia-se em: metodologias de ensino-aprendizagem centradas no aluno, chamado à participação activa; actividades formais de aprendizagem apelativas para a intervenção dos alunos, tais como seminários e trabalhos de grupo; projectos de estudo, de investigação ou de campo; tempo adequado para o trabalho individual e de grupo; pesquisa e utilização crítica da informação, na perspectiva da resolução de problemas; sistema de tutores; facilidades de crédito para aquisição de material informático; estrutura curricular flexível e diversificada, com opções; incentivos e recompensas para o melhor desempenho pedagógico. Espero que este exemplo frutifique.A formação pedagógicaAs universidades já têm tomado iniciativas de carácter pedagógico, como pequenos cursos para docentes ou seminários. Não tenho nada de muito novo a propor que não seja uma expansão em grande escala deste tipo de actuações e que a frequência destas acções formativas sobre pedagogia seja um elemento de peso na avaliação curricular dos professores jovens, para efeitos de promoção e de nomeação definitiva. Estas actividades deveriam competir a núcleos pedagógicos das universidades que também tivessem actividade de investigação, o que é tanto mais fácil quanto muitas têm departamentos de ciências da educação.

As universidades também podem usar para com os seus professores, em relação à aprendizagem dos conceitos e métodos da pedagogia moderna, os meios modernos de aprendizagem não presencial, como o ensino electrónico ("e-learning"). Seria até um teste interno muito útil para se aferir da eficácia e correcção técnica do ensino à distância.Sugiro que se criem também fóruns informais ou clubes de interesses pedagógicos. Estes encontros regulares de docentes seriam úteis para troca de experiências, concertação de conteúdos e métodos do ensino e aferição colectiva das atitudes docentes, por exemplo no que respeita à avaliação dos conhecimentos científicos mínimos para a docência, à compreensão dos processos específicos da aprendizagem, tanto de jovens como de adultos, às técnicas modernas de ensino e comunicação, às formas práticas de planeamento e organização de conteúdos de ensino e ainda aos truques de atitude docente que facilitam a espontaneidade e a vivacidade.A nível nacional, apoiando a acção dos núcleos pedagógicos das universidades, proponho a criação de um Instituto do Ensino Superior, com missões múltiplas: investigação sobre a pedagogia universitária, divulgação e formação. Isto quanto à pedagogia, porque este instituto deveria também abranger a investigação, divulgação e formação em outras áreas essenciais para a universidade: mecanismos de qualidade, formulação de políticas, organização e gestão, ensino à distância, etc.A avaliação individual do ensinoNa concessão da nomeação definitiva e nos diversos concursos, os professores são avaliados muitas vezes com critérios muito diversos, conforme os júris e as práticas das escolas. É justo que, embora com ponderações diferentes, sejam avaliados no que respeita aos três componentes da sua actividade: a investigação, o ensino e a participação institucional. O problema é que, enquanto que a avaliação científica é fácil e objectiva com base no currículo, é muito difícil avaliar a actividade pedagógica. Ensinar tantos anos e tantas disciplinas nada diz sobre a qualidade e modernidade dessa actividade. O único elemento que, a meu ver, tem alguma utilidade é o relatório pedagógico do concurso para professor associado, que muitas vezes permite avaliar as concepções pedagógicas e os métodos preconizados.Isto é tanto mais importante quanto, como no meu caso, se defende uma avaliação permanente que sirva de base a um sistema de progressões por mérito e mesmo a concursos de promoção, para além dos actuais concursos de recrutamento.

Essa avaliação permanente deve ser tanto científica como pedagógica.Não temos experiência deste tipo de avaliação, mas ela existe noutras partes. Vou dar o exemplo da Universidade de Cornell, que não se afasta muito do que se faz noutras universidades americanas. Os alunos desempenham um papel importante na avaliação, pronunciando-se a meio e no fim da disciplina. Ao mesmo tempo, o director de departamento (já escrevi repetidamente que aqui se trata de um director com grandes poderes, não como cá) assiste com regularidade às aulas dos professores do departamento. No caso dos "assistant professors" o sistema é ainda mais rigoroso. Cada um tem "mentors" que os ajudam no ensino e que, no fim, são chamados à avaliação. Finalmente, todos os docentes são avaliados por uma comissão externa, que assiste a aulas e entrevista o professor, após o que, juntando-se todos os elementos, o departamento classifica os seus docentes. Não vejo porque é que um sistema deste tipo não pode ser usado em Portugal, em que a universidade já está relativamente avançada na cultura da avaliação.20.04.2002

COMENTÁRIOManuela Pires da Fonseca, U. Évora

Gostei muito de ler o artigo acima, que encontro perfeitamente pertinente. Acrescento contudo que a pedagogia não é apenas determinante do sucesso escolar: ela é também determinante do sucesso ou insucesso profissional. E a Universidade não se deve preocupar apenas com o percurso do aluno enquanto tal (evitar que uma licenciatura demore ainda mais que os 4-5 anos programados), mas deve também seguir o seu percurso profissional pós licenciatura. É o sucesso pós-laboral que afinal avalia a qualidade do ensino, sucesso que se converte em atracção para novos alunos. Ora sendo o mercado de trabalho cada vez mais volúvel, para além de facultar formações de excelência a Universidade deverá empenhar-se em promover o que os anglo-saxónicos designam como capacidades moldáveis (transferable skills), moldáveis no sentido em que permitem que o indivíduo interprete e responda a uma solicitação de trabalho tirando o máximo partido das suas capacidades e sempre com elevado profissionalismo. Como refere o Prof. JVC no texto acima, a Universidade tem uma obrigação (penso que o termo é meu), acima de tudo, de prepar o indivíduo para equacionar e resolver problemas, interpretar e divulgar resultados (expressão oral e escrita), trabalhar em equipa (flexibilidade, adaptabilidade), organizar o trabalho (tomar iniciativa, estabelecer e cumprir metas), auto-criticar-se, e melhorar a performance individual. Qualquer aluno, independentemente do curso que frequenta, deveria adquirir/desenvolver estas aptidões. A Universidade de Cambridge, por exemplo, torna claro o seu empenhamento em desenvolver estas capacidades: http://www.admin.cam.ac.uk/offices/education/skills/definitions.html. Não será coincidência que os respectivos alunos recebam ofertas de emprego ainda antes de terminarem os cursos, empregos que muitas vezes estão menos relacionados com as matérias estudadas, que com as experiências vividas dentro da universidade.Para além das actividades extra-curriculares, a investigação é provavelmente o campo que melhor promove o desenvolvimento e apuramento das ditas capacidades moldáveis. No Reino Unido já se verifica um decréscimo no número de estudantes de doutoramento. Nós ainda estaremos na fase ascendente, mas só ganhariamos em ir aprendendo com os erros e análises dos outros. O Relatório Robert's (estudo encomendado pelo governo britânico para avaliar a estratégia do Reino Unido em matérias de inovação e produtividade, Abril 2002, denuncia as más perspectivas de trabalho oferecidas aos doutorados, e o treino inadequado (particularmente no que se refere às tais capacidades moldáveis) que alguns doutorados receberão. Relativamente a este último, o problema é abordado em moldes semelhantes aos do Prof. JVC no texto que citei. Relativamente às primeiras, o Relatório refere a precaridade de trabalho e a necessidade urgente de facultar uma carreira aos investigadores doutorados. O post-doc deve ser visto como um passo/treino para obter a certificação (ou chumbo - mas a opção tem que existir) como membro do staff académico; em Portugal, pelo contrário, as bolsas de pos-doc são vistas como uma carreira em si, um patamar sem fim. Para os investigadores também vocacionados para ensinar, o Relatório Robert's sugere a criação de "fellowships" de pelo menos 5 anos para serem atribuidas a pot-docs que queiram leccionar - estas fellowships serão avaliadas não só em termos da investigação produzida, mas também de acordo com a qualidade das aulas prestadas. Estas fellowships representariam o processo ideal de formação e recrutamento dos futuros professores; em Portugal poderiam ainda servir de exemplo (no bom sentido) a alguns dos maus professores que o Prof. JVC vê dificuldade em reciclar, já que os candidatos a professor teriam que obrigatoriamente produzir aulas atractivas e úteis na sala do lado. Infelizmente, em Portugal continua a acreditar-se que um licenciado pode muito bem ir aprendendo a dar umas aulas sob a cumplicidade de professores já estabelecidos, como se de escolha de sucessão se tratasse. E os investigadores doutorados ocupam-se com bolsas. Profissão? Bolseiro. Mais que a manutenção do status quo, talvez o problema esteja na falta de criatividade (capacidades moldáveis...) de quem de direito.

Fonte: A PEDAGOGIA NO ENSINO SUPERIOR E O INSUCESSO ESCOLAR


Postado por: João José Saraiva da Fonseca

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