O mito do aluno digital
Nem de propósito... li hoje outro texto que penso fomentar a discussão sobre a utilização das novas tecnologias na educação.
O texto do professor José Carlos Antonio, tem por título:
O mito do aluno digital
Por: José Carlos Antonio
Como podemos ver, um número considerável dos alunos são basicamente analfabetos tecnológicos funcionais, isto é, eles conhecem as tecnologias que lhes permitem pesquisar, comunicar-se e publicar, mas não o fazem com proficiência porque não possuem as competências e habilidades necessárias para tal. Além disso, as ferramentas que eles conhecem são extremamente simples e eles as conhecem de forma superficial.
O uso dos computadores e da Internet nas escolas criou uma infinidade de mitos que, em sua maioria, não apenas não correspondem à realidade como também escondem fatos e intenções. Um desses mitos é o de que o aluno é naturalmente um grande conhecedor da tecnologia e que domina os computadores e a Internet, enquanto que os professores, por sua vez, nasceram sem o “gene digital” e, por isso, estão sempre em desvantagem e sentem-se naturalmente inseguros para usar os computadores e a Internet sem que antes tenham múltiplas capacitações e passem a dominar também essas tecnologias. Será mesmo que esse mito se sustenta diante dos fatos?
Em uma pesquisa desenvolvida com 300 alunos do Ensino Médio de uma escola pública, constatei, por exemplo, que 11% dos alunos não possuíam e-mail, 39% possuíam e-mail mas não o utilizavam e apenas 50% deles tinham e utilizavam os seus e-mails. Vale lembrar que 100% dos alunos pesquisados dispunham de computadores e acesso à Internet, quer fosse em suas casas, quer fosse na escola.
Analisando as produções textuais desses alunos é fácil perceber que a grande maioria não sabe como utilizar um editor de textos eletrônico, como o Word ou outro qualquer. Eles sabem digitar, mas não sabem formatar o texto, não conseguem alinhá-lo corretamente, não usam o corretor ortográfico de forma eficaz, têm dificuldades para lidar com imagens inseridas no texto ou simplesmente não sabem como inseri-las, não sabem usar tabelas, etc., etc. Ou seja, são usuários muito pouco proficientes dos editores de texto. E veja que eu não estou falando aqui da qualidade das produções, dos erros de gramática, ortografia, concordância, regência, fuga ao tema, etc., etc.
Poderíamos listar uma enormidade de itens que esses alunos não dominam, mas a lista seria tão extensa que é mais fácil listar aquilo que eles sabem realmente fazer. Tomando como base as competências de letramento digital (pesquisar, comunicar-se e publicar na Internet) podemos resumir o conhecimento médio dos alunos pesquisados como se segue:
1. Pesquisar
1. eles usam o Google como ferramenta quase exclusiva para pesquisa; pesquisam usando uma única palavra de busca ou uma frase muito curta; na maioria das vezes aceitam a primeira indicação feita pelo buscador e retornam como produtos da pesquisa textos inteiros ou trechos muito grandes que copiam e colam diretamente, sem analisá-los, resumi-los ou compreendê-los;
2. conhecem poucos sites e blogs que contém material didático ou instrucional (geralmente procuram por trabalhos prontos) e a maioria do material que consultam de forma não orientada diz respeito à jogos, humor, violência, sexo e pornografia;
3. gostam de pesquisar vídeos no YouTube e em outros sites destinados a armazenar esse tipo de mídia, e buscam mais frequentemente vídeos de conteúdo humorístico;
2. Comunicar-se
1. os alunos usam praticamente apenas dois meios de comunicação na Internet: o Orkut e o MSN; o e-mail é muito pouco usado e menos ainda as listas de discussão e fóruns;
2. a comunicação se dá quase sempre entre os colegas da turma ou da escola e gira em torno dos interesses próprios da idade e do grupo;
3. a comunicação representa a maior parte do tempo de uso dos computadores e da Internet;
4. linguagem utilizada nas comunicações é a linguagem coloquial, basicamente oral e simplificada por um sistema de códigos e abreviações que se difundiu pela Internet nas salas de bate-papo e posteriomente no MSN e no Orkut;
3. Publicar
1. um número muito pequeno de alunos possui blogs ou sites pessoais;
2. os blogs são temáticos (sobre jogos, poesia, esportes ou algum outro tema do interesse do aluno) e alguns têm ainda o formato de “diários pessoais” que deu origem aos blogs quando eles surgiram;
3. imagens são publicadas preferencialmente no Orkut, são pessoais ou da turma e referem-se ao cotidiano dos alunos;
4. vídeos procuram retratar o cotidiano e situações que consideram interessantes, embora sejam muitas vezes vídeos toscos, de mau gosto e ofensivos. Dentre os temas dos vídeos destacam-se: violência local (brigas), traquinagens (que eles chamam de “zueira”), situações constrangedoras envolvendo colegas (e professores) no ambiente cotidiano e registros de festas e eventos locais.
Como podemos ver, um número considerável dos alunos são basicamente analfabetos tecnológicos funcionais, isto é, eles conhecem as tecnologias que lhes permitem pesquisar, comunicar-se e publicar, mas não o fazem com proficiência porque não possuem as competências e habilidades necessárias para tal. Além disso, as ferramentas que eles conhecem são extremamente simples e eles as conhecem de forma superficial.
Do outro lado do universo digital temos os professores. Estes possuem as competências e habilidades que lhes permitem pesquisar, comunicar-se e publicar com proficiência, mas não o fazem porque na maioria das vezes não têm conhecimento das ferramentas e meios disponíveis para fazê-lo por meio da tecnologia digital dos computadores e da Internet. Além disso, o conhecimento superficial das ferramentas torna os professores inseguros, ainda que esse conhecimento superficial seja maior do que o dos alunos.
Embora não disponha de dados estatísticos atuais sobre o grau de inclusão digital dos professores, tenho observado que nos últimos cinco anos o número de professores que utilizam computadores e a Internet para si próprios e como ferramenta auxiliar de ensino tem aumentado consideravelmente. Em uma sala com quarenta professores onde há cinco anos tínhamos apenas dois ou três deles que possuíam endereço de e-mail, hoje verificamos que somente dois ou três ainda não possuem um endereço eletrônico.
Tudo isso sinaliza ainda mais intensamente para a necessidade de uma mudança de paradigma por parte do professor que lhe permita ver no aluno uma possibilidade de parceria na aprendizagem sobre o uso da tecnologia e que, paralelamente, lhe permita uma maior atuação sobre a aprendizagem dos alunos usando as oportunidades e ferramentas que lhe aproximam do cotidiano desses alunos.
Alunos podem aprender a fazer pesquisas com maior proficiência se professores puderem lhes ensinar como fazê-las. Mas professores não poderão fazer isso sem que antes, eles mesmos, aprendam a usar as ferramentas tecnológicas disponíveis e que já são utilizadas pelos alunos.
Alunos podem aprender muito sobre comunicação, sobre o uso correto da língua e sobre as diversas outras possibilidades de se comunicarem que vão além da simples troca de mensagens instantâneas e recadinhos do Orkut com seus colegas mais próximos, mas para isso é preciso que professores também saibam se comunicar usando o Orkut e o MSN, que sejam acessíveis pelos alunos e que utilizem esses meios de comunicação com os alunos.
Alunos podem se tornar autores e não apenas usuários de textos, imagens e vídeos. Podem, por exemplo, produzir documentários sobre o “making off” de uma peça teatral na escola, podem criar rádios na Internet, podem criar blogs temáticos sobre assuntos relevantes, podem publicar seus trabalhos originais na rede, enfim, podem contribuir para o crescimento da base de dados da Internet de forma útil e produtiva. Mas para isso é preciso que professores publiquem também, que tenham seus blogs, que participem como autores e inspirem seus alunos; é preciso que professores ajudem seus alunos a dar qualidade ao que eles produzem, que lhes ensinem técnicas, regras e estratégias, enfim, é preciso que os professores estejam inseridos no ambiente de produção de conteúdo para que possam ensinar a produzir conteúdo de qualidade.
Os alunos não participam de capacitações, oficinas e cursos específicos para pesquisar, comunicar-se e publicar na Internet, mas aprendem rapidamente como fazê-los, ainda que o façam sem a qualidade que desejamos. Os professores também podem!
Os alunos não sabem pesquisar, comunicar-se e publicar com proficiência. Os professores já sabem. Os alunos não vão adquirir essas habilidades e competências por si mesmos, mas poderão adquiri-las com a ajuda dos seus professores.
Alunos podem ajudar professores a “lidar com a tecnologia dos computadores e da Internet”, mas precisam de professores que lhes ajudem aprender outras coisas que não se resumam a apenas usar a tecnologia, ou seja, alunos precisam de professores que lhes ajudem a desenvolver suas habilidades e competências para a vida, para o mundo, para si próprios e para que possam usar de forma proficiente as ferramentas de que já dispõem e sabem como operar.
Fonte: Professor Digital
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A propósito da temática proponho a leitura da entrevista abaixo, concedida à RIO MIDIA por Roger Chartier em que ele fala sobre mídia eletrônica: uma nova forma de ler, escrever e se comunicar. Diretor da École des Hautes Études en Sciences Sociales (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais), em Paris, na França, e professor especializado em História das Práticas Culturais e História da Leitura, Roger Chartier é um dos mais conhecidos historiadores da atualidade, com obras publicadas em vários países do mundo. No Brasil, um dos livros mais famosos é 'A aventura do livro', lançado pela Editora Unesp, no qual o autor enfoca de maneira instigante a reorganização do mundo da escrita após a internet. Segundo ele, se a tecnologia for amplamente utilizada dentro do mundo escolar, será possível criar uma nova geração de leitores e difundir ainda mais a leitura. "Não há uma imposição da cultura eletrônica sobre a cultura escrita".
Mídia eletrônica: uma nova forma de ler, escrever e se comunicar
Eliane Bardanachvili - O livro no Brasil ainda está longe de muitos brasileiros. No entanto, já estamos passando de leitores para navegadores da internet. Como o senhor analisa essa situação?
Roger Chartier - O mais importante é não pensar que essa nova técnica de transmissão dos textos, a eletrônica, seja igual para todos os países. Há um mundo de alfabetizados e um de analfabetos, que ainda não conseguem usar esta tecnologia. A diferença deve estar sempre presente, seja ela social, econômica ou cultural, dentro da população de um país específico ou em uma escala mundial. Um dado interessante é que 48% dos endereços eletrônicos estão localizados em países de língua inglesa, só 4% em países de língua espanhola e 3% apenas em países de língua portuguesa. Isto significa que a desigualdade não existe só no Brasil, mas no mundo todo.
Eliane Bardanachvili - As novas tecnologias acirram essas desigualdades. Ficaria, então, mais difícil criarmos novos leitores?
Roger Chartier - As novas tecnologias poderiam ajudar a criar uma nova geração de leitores e a difundir a leitura, se pensarmos em sua utilização dentro do mundo escolar. Poderiam ajudar no aprendizado, na leitura e na escrita. Assim, não há uma imposição da cultura eletrônica sobre a cultura da escrita. Pela primeira vez ocorre, na tela, a difusão de textos. A alfabetização nesta tecnologia é um diagnóstico otimista para o progresso da cultura escrita, dos hábitos de leitura.
Eliane Bardanachvili - É fácil uma pessoa que não seja um intelectual reconhecer a importância da escrita e da leitura?Roger Chartier - É uma responsabilidade que vejo não somente como sendo da escola, senão também como de outras instituições contemporâneas como a mídia - televisão e jornal -, os eventos culturais e as feiras de livros. Estas instituições são incumbidas de cultivar a importância da leitura para que o cidadão possa conhecer sua sociedade e ter ferramentas críticas para compreender sua situação, os mecanismos que governam sua condição e a relação com outras pessoas e com os poderes. A partir da leitura, o cidadão moderno pode ter uma relação crítica e mais neutra com os mecanismos da sociedade que regem seu dia-a-dia e, assim, ser menos dominado por eles.
Eliane Bardanachvili - A escola deve ter, além do papel de alfabetizar, ensinar a criança a pensar?
Roger Chartier - Existem diversas definições de analfabeto. A clássica, existente no Brasil e em outros países, é aquela em que o indivíduo não sabe ler nem escrever. A escola tem o papel essencial de passar este conhecimento, aprofundando a questão. Acho que saber ler e escrever não seja suficiente para "ler" e "escrever". Faz-se necessário a familiaridade com a escrita, no sentido que o indivíduo tenha uma cultura que o faça pensar por si mesmo, na relação com os outros e nas relações com os poderes econômicos, sociais e políticos. Esta seria uma forma de entender a cultura escrita e de lutar contra o que chamamos de analfabetismo funcional. De novo, a escola pode e deve desempenhar um papel fundamental, ainda que não de forma isolada, mas em conjunto com as outras instituições. A idéia é de que hoje exista e tenha se desenvolvido um analfabetismo relacionado ao mundo eletrônico. O mundo eletrônico é imposto a cada indivíduo e ainda existem dificuldades de acesso à compreensão e ao uso desta tecnologia por razões econômicas e culturais óbvias. As escolas e bibliotecas podem ajudar aqueles que já sabem ler e escrever e têm hábitos de leitura dentro do mundo clássico a se familiarizar com esta nova cultura.
Eliane Bardanachvili - A mídia eletrônica não seria apenas um apoio, mas um meio pelo qual a alfabetização também se efetivaria?
Roger Chartier - Esta seria a razão pela qual a presença de computadores nas escolas poderia ajudar na alfabetização. As experiências demonstram que o aprendizado das normas ortográficas podem encontrar no meio eletrônico um suporte didático eficaz, sempre com a presença do professor. Usar a informática na escola também é apresentar às crianças uma realidade que tende a desenvolver-se no futuro.
Eliane Bardanachvili - Professor, conhecer a história da leitura, a história do livro nos ajuda a entender esse momento tão conturbado que estamos vivendo?
Roger Chartier - Acho que o saber histórico pode ajudar na compreensão do presente, através das experiências do passado. Talvez possa até ajudar a organizar o desenvolvimento de programas de leitura ou mostrar a descontinuidade da história. No Brasil, existe o programa nacional de incentivo à leitura que ilustra esta questão. Por um lado é um programa que dedica-se a desenvolver os hábitos de leitura e levá-los onde eles não existem. Ao mesmo tempo, é um programa que a partir do conhecimento histórico de especialistas em educação, historiadores e sociólogos, permite reconhecer as etapas, as descontinuidades e as conquistas da leitura. Com isso, estabelecemos um vínculo imediato do passado com o presente para conseguir os objetivos já expostos: a iniciação dos indivíduos nos diversos níveis da cultura escrita, no saber ler e escrever, na prática da leitura e da escrita e no contato com o universo do texto eletrônico.
Eliane Bardanachvili - Olhando para esta história, que pontos o senhor ressaltaria como determinantes na relação que temos hoje com o livro e com a leitura?
Roger Chartier - Devemos ter em mente que Gutenberg criou a imprensa e não o livro da forma como o conhecemos. O livro nasceu nos primeiros séculos da era cristã e se diferenciava dos livros em rolo dos romanos e dos gregos. Com o tempo ele adquiriu a forma como nós conhecemos: com as folhas dobradas, as páginas e a encadernação. O livro chamado pelos historiadores de códice existiu antes e depois de Gutenberg. Nossa relação com o texto está ligada não só à técnica de Gutemberg, mas, principalmente, ao formato de livro que permite ler e escrever, folhear e criar índices. Isto não era possível com o livro da antiguidade. O rolo não pode ser folheado porque não tem folhas, não pode ser paginado porque não tem páginas e nem índices. Todo nosso relacionamento corporal com a cultura escrita está vinculado à forma de livros como conhecemos. Por esta razão, o texto eletrônico lança um grande desafio ao requerer uma mudança de hábitos. Temos que ler em frente a uma tela de computador, existe o teclado e o texto é lido como se fosse um rolo. Mas ao mesmo tempo utilizam-se todos os códigos de um livro: a paginação, o índice...
Eliane Bardanachvili - Estamos retrocedendo de alguma forma?
Roger Chartier - Voltamos ao passado mas, ao mesmo tempo, acumulamos o que foi adquirido com o código manuscrito e o código do livro impresso. Assim, podemos observar que a reflexão do presente pode ser esclarecida a partir do conhecimento histórico. Muitas vezes, compara-se a revolução eletrônica à revolução de Gutenberg. O que não acho adequado. É verdade que existe a mutação técnica, imprensa-texto digital, mas, o mais importante é a transformação da estrutura do suporte e da relação do corpo, da mente, do leitor com o texto. Mais adequado é comparar a invenção do código escrito à invenção da técnica digital.
Eliane Bardanachvili - Que tipo de relação estabelecemos com o texto que não está mais no papel?
Roger Chartier - Um livro é para nós um objeto material com características diferentes a um jornal, a uma revista ou a um arquivo. É uma obra com uma identidade, uma coerência e um autor. É a cultura do código, a vinculação objeto-obra, que desaparece com o texto no computador. O computador é um suporte que oferece ao leitor todos os tipos de texto. A identificação da obra como obra é mais difícil. O desafio se dá na leitura descontínua, fragmentada e segmentada, que não deixa perceber a unidade textual, ou seja, a obra como obra estética. Uma obra intelectual à qual pertence aquele fragmento. A visão que se tem da tela é ambígua. Por um lado é uma tela nova, que transmite textos; por outro, uma tela que já conhecemos, como a da TV. A descontinuidade da leitura frente ao computador traz de volta a prática do zapping. O desafio é como conseguir ver o livro digital como obra coerente, com unidade e identidade.
Eliane Bardanachvili - Pelo jeito, o livro de papel ainda mantém os seus encantos e, mesmo competindo com a internet, não deve morrer...
Roger Chartier - Acho que não. A leitura do texto digital é descontínua e adequada a certos tipos de obras, como dicionários e enciclopédias, onde o leitor procura determinadas palavras ou artigos, e que não precisam ser lidos da primeira a última página. Enquanto obras ou livros requerem a compreensão total, exigem a familiaridade com romances, ensaios, livros de história e de conhecimentos. Acredito que para nós e, possivelmente, para as futuras gerações sempre estarão presentes as três formas de escrita: a manuscrita, ainda usamos o texto escrito à mão, a cultura impressa e, para os que tiverem acesso, o texto eletrônico.
Eliane Bardanachvili - Nós falamos até aqui das novas tecnologias interferindo na rotina de quem lê. E na rotina de quem produz o texto escrito, quais são os tipos de interferência?
Roger Chartier - Para os autores de ficção e de novela existem as possibilidades de usar a relação mais próxima entre a escrita, o autor e o leitor e a de propor ao leitor a intervenção no texto, como se fosse um jogo, entre a criação e a leitura. Para o historiador há a possibilidade de organizar o texto de forma diferente. No texto de história sempre há notas, citações e referências, mas o leitor não pode controlá-las. O vínculo intertextual permite que o leitor vá até essas fontes quando elas tenham sido digitalizadas. A leitura pode seguir a mesma ordem do autor. A referência pode ser mais do que uma nota no rodapé. O leitor pode escolher o que quer ler e tentar refazer o caminho do historiador.
Eliane Bardanachvili - A gente tem cobrado muito do leitor, da adaptação que ele deve ter em relação às novas tecnologias, mas ao que me parece o autor ainda está com uma visão bem tradicional. Ele só está preparado para escrever livros no papel...
Roger Chartier - Até agora a maioria dos autores utiliza a técnica digital apenas para a transmissão de textos criados no conceito tradicional. Se incorporada ao processo de criação, estes os recursos digitais podem modificar a ficção, o romance e os textos de conhecimento que vão adquirir características impossíveis no universo do papel.
Texto - Eliane Bardanachvili
Postado por João José Saraiva da Fonseca em 9 de dezembro de 2008 e respostado em 15 de dezembro de 2008
O texto do professor José Carlos Antonio, tem por título:
O mito do aluno digital
Por: José Carlos Antonio
Como podemos ver, um número considerável dos alunos são basicamente analfabetos tecnológicos funcionais, isto é, eles conhecem as tecnologias que lhes permitem pesquisar, comunicar-se e publicar, mas não o fazem com proficiência porque não possuem as competências e habilidades necessárias para tal. Além disso, as ferramentas que eles conhecem são extremamente simples e eles as conhecem de forma superficial.
O uso dos computadores e da Internet nas escolas criou uma infinidade de mitos que, em sua maioria, não apenas não correspondem à realidade como também escondem fatos e intenções. Um desses mitos é o de que o aluno é naturalmente um grande conhecedor da tecnologia e que domina os computadores e a Internet, enquanto que os professores, por sua vez, nasceram sem o “gene digital” e, por isso, estão sempre em desvantagem e sentem-se naturalmente inseguros para usar os computadores e a Internet sem que antes tenham múltiplas capacitações e passem a dominar também essas tecnologias. Será mesmo que esse mito se sustenta diante dos fatos?
Em uma pesquisa desenvolvida com 300 alunos do Ensino Médio de uma escola pública, constatei, por exemplo, que 11% dos alunos não possuíam e-mail, 39% possuíam e-mail mas não o utilizavam e apenas 50% deles tinham e utilizavam os seus e-mails. Vale lembrar que 100% dos alunos pesquisados dispunham de computadores e acesso à Internet, quer fosse em suas casas, quer fosse na escola.
Analisando as produções textuais desses alunos é fácil perceber que a grande maioria não sabe como utilizar um editor de textos eletrônico, como o Word ou outro qualquer. Eles sabem digitar, mas não sabem formatar o texto, não conseguem alinhá-lo corretamente, não usam o corretor ortográfico de forma eficaz, têm dificuldades para lidar com imagens inseridas no texto ou simplesmente não sabem como inseri-las, não sabem usar tabelas, etc., etc. Ou seja, são usuários muito pouco proficientes dos editores de texto. E veja que eu não estou falando aqui da qualidade das produções, dos erros de gramática, ortografia, concordância, regência, fuga ao tema, etc., etc.
Poderíamos listar uma enormidade de itens que esses alunos não dominam, mas a lista seria tão extensa que é mais fácil listar aquilo que eles sabem realmente fazer. Tomando como base as competências de letramento digital (pesquisar, comunicar-se e publicar na Internet) podemos resumir o conhecimento médio dos alunos pesquisados como se segue:
1. Pesquisar
1. eles usam o Google como ferramenta quase exclusiva para pesquisa; pesquisam usando uma única palavra de busca ou uma frase muito curta; na maioria das vezes aceitam a primeira indicação feita pelo buscador e retornam como produtos da pesquisa textos inteiros ou trechos muito grandes que copiam e colam diretamente, sem analisá-los, resumi-los ou compreendê-los;
2. conhecem poucos sites e blogs que contém material didático ou instrucional (geralmente procuram por trabalhos prontos) e a maioria do material que consultam de forma não orientada diz respeito à jogos, humor, violência, sexo e pornografia;
3. gostam de pesquisar vídeos no YouTube e em outros sites destinados a armazenar esse tipo de mídia, e buscam mais frequentemente vídeos de conteúdo humorístico;
2. Comunicar-se
1. os alunos usam praticamente apenas dois meios de comunicação na Internet: o Orkut e o MSN; o e-mail é muito pouco usado e menos ainda as listas de discussão e fóruns;
2. a comunicação se dá quase sempre entre os colegas da turma ou da escola e gira em torno dos interesses próprios da idade e do grupo;
3. a comunicação representa a maior parte do tempo de uso dos computadores e da Internet;
4. linguagem utilizada nas comunicações é a linguagem coloquial, basicamente oral e simplificada por um sistema de códigos e abreviações que se difundiu pela Internet nas salas de bate-papo e posteriomente no MSN e no Orkut;
3. Publicar
1. um número muito pequeno de alunos possui blogs ou sites pessoais;
2. os blogs são temáticos (sobre jogos, poesia, esportes ou algum outro tema do interesse do aluno) e alguns têm ainda o formato de “diários pessoais” que deu origem aos blogs quando eles surgiram;
3. imagens são publicadas preferencialmente no Orkut, são pessoais ou da turma e referem-se ao cotidiano dos alunos;
4. vídeos procuram retratar o cotidiano e situações que consideram interessantes, embora sejam muitas vezes vídeos toscos, de mau gosto e ofensivos. Dentre os temas dos vídeos destacam-se: violência local (brigas), traquinagens (que eles chamam de “zueira”), situações constrangedoras envolvendo colegas (e professores) no ambiente cotidiano e registros de festas e eventos locais.
Como podemos ver, um número considerável dos alunos são basicamente analfabetos tecnológicos funcionais, isto é, eles conhecem as tecnologias que lhes permitem pesquisar, comunicar-se e publicar, mas não o fazem com proficiência porque não possuem as competências e habilidades necessárias para tal. Além disso, as ferramentas que eles conhecem são extremamente simples e eles as conhecem de forma superficial.
Do outro lado do universo digital temos os professores. Estes possuem as competências e habilidades que lhes permitem pesquisar, comunicar-se e publicar com proficiência, mas não o fazem porque na maioria das vezes não têm conhecimento das ferramentas e meios disponíveis para fazê-lo por meio da tecnologia digital dos computadores e da Internet. Além disso, o conhecimento superficial das ferramentas torna os professores inseguros, ainda que esse conhecimento superficial seja maior do que o dos alunos.
Embora não disponha de dados estatísticos atuais sobre o grau de inclusão digital dos professores, tenho observado que nos últimos cinco anos o número de professores que utilizam computadores e a Internet para si próprios e como ferramenta auxiliar de ensino tem aumentado consideravelmente. Em uma sala com quarenta professores onde há cinco anos tínhamos apenas dois ou três deles que possuíam endereço de e-mail, hoje verificamos que somente dois ou três ainda não possuem um endereço eletrônico.
Tudo isso sinaliza ainda mais intensamente para a necessidade de uma mudança de paradigma por parte do professor que lhe permita ver no aluno uma possibilidade de parceria na aprendizagem sobre o uso da tecnologia e que, paralelamente, lhe permita uma maior atuação sobre a aprendizagem dos alunos usando as oportunidades e ferramentas que lhe aproximam do cotidiano desses alunos.
Alunos podem aprender a fazer pesquisas com maior proficiência se professores puderem lhes ensinar como fazê-las. Mas professores não poderão fazer isso sem que antes, eles mesmos, aprendam a usar as ferramentas tecnológicas disponíveis e que já são utilizadas pelos alunos.
Alunos podem aprender muito sobre comunicação, sobre o uso correto da língua e sobre as diversas outras possibilidades de se comunicarem que vão além da simples troca de mensagens instantâneas e recadinhos do Orkut com seus colegas mais próximos, mas para isso é preciso que professores também saibam se comunicar usando o Orkut e o MSN, que sejam acessíveis pelos alunos e que utilizem esses meios de comunicação com os alunos.
Alunos podem se tornar autores e não apenas usuários de textos, imagens e vídeos. Podem, por exemplo, produzir documentários sobre o “making off” de uma peça teatral na escola, podem criar rádios na Internet, podem criar blogs temáticos sobre assuntos relevantes, podem publicar seus trabalhos originais na rede, enfim, podem contribuir para o crescimento da base de dados da Internet de forma útil e produtiva. Mas para isso é preciso que professores publiquem também, que tenham seus blogs, que participem como autores e inspirem seus alunos; é preciso que professores ajudem seus alunos a dar qualidade ao que eles produzem, que lhes ensinem técnicas, regras e estratégias, enfim, é preciso que os professores estejam inseridos no ambiente de produção de conteúdo para que possam ensinar a produzir conteúdo de qualidade.
Os alunos não participam de capacitações, oficinas e cursos específicos para pesquisar, comunicar-se e publicar na Internet, mas aprendem rapidamente como fazê-los, ainda que o façam sem a qualidade que desejamos. Os professores também podem!
Os alunos não sabem pesquisar, comunicar-se e publicar com proficiência. Os professores já sabem. Os alunos não vão adquirir essas habilidades e competências por si mesmos, mas poderão adquiri-las com a ajuda dos seus professores.
Alunos podem ajudar professores a “lidar com a tecnologia dos computadores e da Internet”, mas precisam de professores que lhes ajudem aprender outras coisas que não se resumam a apenas usar a tecnologia, ou seja, alunos precisam de professores que lhes ajudem a desenvolver suas habilidades e competências para a vida, para o mundo, para si próprios e para que possam usar de forma proficiente as ferramentas de que já dispõem e sabem como operar.
Fonte: Professor Digital
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A propósito da temática proponho a leitura da entrevista abaixo, concedida à RIO MIDIA por Roger Chartier em que ele fala sobre mídia eletrônica: uma nova forma de ler, escrever e se comunicar. Diretor da École des Hautes Études en Sciences Sociales (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais), em Paris, na França, e professor especializado em História das Práticas Culturais e História da Leitura, Roger Chartier é um dos mais conhecidos historiadores da atualidade, com obras publicadas em vários países do mundo. No Brasil, um dos livros mais famosos é 'A aventura do livro', lançado pela Editora Unesp, no qual o autor enfoca de maneira instigante a reorganização do mundo da escrita após a internet. Segundo ele, se a tecnologia for amplamente utilizada dentro do mundo escolar, será possível criar uma nova geração de leitores e difundir ainda mais a leitura. "Não há uma imposição da cultura eletrônica sobre a cultura escrita".
Mídia eletrônica: uma nova forma de ler, escrever e se comunicar
Eliane Bardanachvili - O livro no Brasil ainda está longe de muitos brasileiros. No entanto, já estamos passando de leitores para navegadores da internet. Como o senhor analisa essa situação?
Roger Chartier - O mais importante é não pensar que essa nova técnica de transmissão dos textos, a eletrônica, seja igual para todos os países. Há um mundo de alfabetizados e um de analfabetos, que ainda não conseguem usar esta tecnologia. A diferença deve estar sempre presente, seja ela social, econômica ou cultural, dentro da população de um país específico ou em uma escala mundial. Um dado interessante é que 48% dos endereços eletrônicos estão localizados em países de língua inglesa, só 4% em países de língua espanhola e 3% apenas em países de língua portuguesa. Isto significa que a desigualdade não existe só no Brasil, mas no mundo todo.
Eliane Bardanachvili - As novas tecnologias acirram essas desigualdades. Ficaria, então, mais difícil criarmos novos leitores?
Roger Chartier - As novas tecnologias poderiam ajudar a criar uma nova geração de leitores e a difundir a leitura, se pensarmos em sua utilização dentro do mundo escolar. Poderiam ajudar no aprendizado, na leitura e na escrita. Assim, não há uma imposição da cultura eletrônica sobre a cultura da escrita. Pela primeira vez ocorre, na tela, a difusão de textos. A alfabetização nesta tecnologia é um diagnóstico otimista para o progresso da cultura escrita, dos hábitos de leitura.
Eliane Bardanachvili - É fácil uma pessoa que não seja um intelectual reconhecer a importância da escrita e da leitura?Roger Chartier - É uma responsabilidade que vejo não somente como sendo da escola, senão também como de outras instituições contemporâneas como a mídia - televisão e jornal -, os eventos culturais e as feiras de livros. Estas instituições são incumbidas de cultivar a importância da leitura para que o cidadão possa conhecer sua sociedade e ter ferramentas críticas para compreender sua situação, os mecanismos que governam sua condição e a relação com outras pessoas e com os poderes. A partir da leitura, o cidadão moderno pode ter uma relação crítica e mais neutra com os mecanismos da sociedade que regem seu dia-a-dia e, assim, ser menos dominado por eles.
Eliane Bardanachvili - A escola deve ter, além do papel de alfabetizar, ensinar a criança a pensar?
Roger Chartier - Existem diversas definições de analfabeto. A clássica, existente no Brasil e em outros países, é aquela em que o indivíduo não sabe ler nem escrever. A escola tem o papel essencial de passar este conhecimento, aprofundando a questão. Acho que saber ler e escrever não seja suficiente para "ler" e "escrever". Faz-se necessário a familiaridade com a escrita, no sentido que o indivíduo tenha uma cultura que o faça pensar por si mesmo, na relação com os outros e nas relações com os poderes econômicos, sociais e políticos. Esta seria uma forma de entender a cultura escrita e de lutar contra o que chamamos de analfabetismo funcional. De novo, a escola pode e deve desempenhar um papel fundamental, ainda que não de forma isolada, mas em conjunto com as outras instituições. A idéia é de que hoje exista e tenha se desenvolvido um analfabetismo relacionado ao mundo eletrônico. O mundo eletrônico é imposto a cada indivíduo e ainda existem dificuldades de acesso à compreensão e ao uso desta tecnologia por razões econômicas e culturais óbvias. As escolas e bibliotecas podem ajudar aqueles que já sabem ler e escrever e têm hábitos de leitura dentro do mundo clássico a se familiarizar com esta nova cultura.
Eliane Bardanachvili - A mídia eletrônica não seria apenas um apoio, mas um meio pelo qual a alfabetização também se efetivaria?
Roger Chartier - Esta seria a razão pela qual a presença de computadores nas escolas poderia ajudar na alfabetização. As experiências demonstram que o aprendizado das normas ortográficas podem encontrar no meio eletrônico um suporte didático eficaz, sempre com a presença do professor. Usar a informática na escola também é apresentar às crianças uma realidade que tende a desenvolver-se no futuro.
Eliane Bardanachvili - Professor, conhecer a história da leitura, a história do livro nos ajuda a entender esse momento tão conturbado que estamos vivendo?
Roger Chartier - Acho que o saber histórico pode ajudar na compreensão do presente, através das experiências do passado. Talvez possa até ajudar a organizar o desenvolvimento de programas de leitura ou mostrar a descontinuidade da história. No Brasil, existe o programa nacional de incentivo à leitura que ilustra esta questão. Por um lado é um programa que dedica-se a desenvolver os hábitos de leitura e levá-los onde eles não existem. Ao mesmo tempo, é um programa que a partir do conhecimento histórico de especialistas em educação, historiadores e sociólogos, permite reconhecer as etapas, as descontinuidades e as conquistas da leitura. Com isso, estabelecemos um vínculo imediato do passado com o presente para conseguir os objetivos já expostos: a iniciação dos indivíduos nos diversos níveis da cultura escrita, no saber ler e escrever, na prática da leitura e da escrita e no contato com o universo do texto eletrônico.
Eliane Bardanachvili - Olhando para esta história, que pontos o senhor ressaltaria como determinantes na relação que temos hoje com o livro e com a leitura?
Roger Chartier - Devemos ter em mente que Gutenberg criou a imprensa e não o livro da forma como o conhecemos. O livro nasceu nos primeiros séculos da era cristã e se diferenciava dos livros em rolo dos romanos e dos gregos. Com o tempo ele adquiriu a forma como nós conhecemos: com as folhas dobradas, as páginas e a encadernação. O livro chamado pelos historiadores de códice existiu antes e depois de Gutenberg. Nossa relação com o texto está ligada não só à técnica de Gutemberg, mas, principalmente, ao formato de livro que permite ler e escrever, folhear e criar índices. Isto não era possível com o livro da antiguidade. O rolo não pode ser folheado porque não tem folhas, não pode ser paginado porque não tem páginas e nem índices. Todo nosso relacionamento corporal com a cultura escrita está vinculado à forma de livros como conhecemos. Por esta razão, o texto eletrônico lança um grande desafio ao requerer uma mudança de hábitos. Temos que ler em frente a uma tela de computador, existe o teclado e o texto é lido como se fosse um rolo. Mas ao mesmo tempo utilizam-se todos os códigos de um livro: a paginação, o índice...
Eliane Bardanachvili - Estamos retrocedendo de alguma forma?
Roger Chartier - Voltamos ao passado mas, ao mesmo tempo, acumulamos o que foi adquirido com o código manuscrito e o código do livro impresso. Assim, podemos observar que a reflexão do presente pode ser esclarecida a partir do conhecimento histórico. Muitas vezes, compara-se a revolução eletrônica à revolução de Gutenberg. O que não acho adequado. É verdade que existe a mutação técnica, imprensa-texto digital, mas, o mais importante é a transformação da estrutura do suporte e da relação do corpo, da mente, do leitor com o texto. Mais adequado é comparar a invenção do código escrito à invenção da técnica digital.
Eliane Bardanachvili - Que tipo de relação estabelecemos com o texto que não está mais no papel?
Roger Chartier - Um livro é para nós um objeto material com características diferentes a um jornal, a uma revista ou a um arquivo. É uma obra com uma identidade, uma coerência e um autor. É a cultura do código, a vinculação objeto-obra, que desaparece com o texto no computador. O computador é um suporte que oferece ao leitor todos os tipos de texto. A identificação da obra como obra é mais difícil. O desafio se dá na leitura descontínua, fragmentada e segmentada, que não deixa perceber a unidade textual, ou seja, a obra como obra estética. Uma obra intelectual à qual pertence aquele fragmento. A visão que se tem da tela é ambígua. Por um lado é uma tela nova, que transmite textos; por outro, uma tela que já conhecemos, como a da TV. A descontinuidade da leitura frente ao computador traz de volta a prática do zapping. O desafio é como conseguir ver o livro digital como obra coerente, com unidade e identidade.
Eliane Bardanachvili - Pelo jeito, o livro de papel ainda mantém os seus encantos e, mesmo competindo com a internet, não deve morrer...
Roger Chartier - Acho que não. A leitura do texto digital é descontínua e adequada a certos tipos de obras, como dicionários e enciclopédias, onde o leitor procura determinadas palavras ou artigos, e que não precisam ser lidos da primeira a última página. Enquanto obras ou livros requerem a compreensão total, exigem a familiaridade com romances, ensaios, livros de história e de conhecimentos. Acredito que para nós e, possivelmente, para as futuras gerações sempre estarão presentes as três formas de escrita: a manuscrita, ainda usamos o texto escrito à mão, a cultura impressa e, para os que tiverem acesso, o texto eletrônico.
Eliane Bardanachvili - Nós falamos até aqui das novas tecnologias interferindo na rotina de quem lê. E na rotina de quem produz o texto escrito, quais são os tipos de interferência?
Roger Chartier - Para os autores de ficção e de novela existem as possibilidades de usar a relação mais próxima entre a escrita, o autor e o leitor e a de propor ao leitor a intervenção no texto, como se fosse um jogo, entre a criação e a leitura. Para o historiador há a possibilidade de organizar o texto de forma diferente. No texto de história sempre há notas, citações e referências, mas o leitor não pode controlá-las. O vínculo intertextual permite que o leitor vá até essas fontes quando elas tenham sido digitalizadas. A leitura pode seguir a mesma ordem do autor. A referência pode ser mais do que uma nota no rodapé. O leitor pode escolher o que quer ler e tentar refazer o caminho do historiador.
Eliane Bardanachvili - A gente tem cobrado muito do leitor, da adaptação que ele deve ter em relação às novas tecnologias, mas ao que me parece o autor ainda está com uma visão bem tradicional. Ele só está preparado para escrever livros no papel...
Roger Chartier - Até agora a maioria dos autores utiliza a técnica digital apenas para a transmissão de textos criados no conceito tradicional. Se incorporada ao processo de criação, estes os recursos digitais podem modificar a ficção, o romance e os textos de conhecimento que vão adquirir características impossíveis no universo do papel.
Texto - Eliane Bardanachvili
Postado por João José Saraiva da Fonseca em 9 de dezembro de 2008 e respostado em 15 de dezembro de 2008
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