Como solucionar o problema da educação no Brasil?

Esta semana surgiram nos meios de comunicao tres noticias que considero interessantes e que remetem as três para uma mesma essência: como combate a má qualidade na educação. Viviane Senna propõe como solução que o ensino público tenha em resultados. Cesar Benjamim enfatiza que "educação é muito mais do que um mero suporte à economia". Ela de acordo com o autor "é meio" a "educação é fim". Por fim apresento uma crítica de Marcelo Coelho, colunista do jornal Folha de S. Paulo, ao filme "Entre os muros da escola" e termina apresentando uma possível explicação para a situação: A escola está sem alma.

Proponho que leiam os tres documentos:


A empresária e presidente do Instituto Ayrton Senna (IAS), Viviane Senna, é da opinião que o
Brasil "tem déficit educacional de 247 anos" e afirma que a resolução do problema passa pelo "Ensino público" "ter foco em resultados". Participando em Porto Alegre no almoço-debate promovido pela regional Sul do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), proferiu a palestra de "Educação - Acelerando o Brasil".



O nome da intervenção da palestrante remete para um dos projetos do Instituto Ayrton Senna: "Acelera Brasil "


Conheça um pouco do Instituto Ayrton Senna, pela própria Viviana Senna.





Apresentamos o texto das notícias a respeito publicadas no Portal Terra e no Jornal do Comércio, adaptado para este blog.

Noticia no Portal Terra País tem déficit educacional de 247 anos Viviane Senna ministrou a palestra "Educação: acelerando o Brasil" em Porto Alegre (RS) A presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna, afirmou que os alunos de português da 8ª série do ensino fundamental público do Brasil precisariam de 247 anos para igualarem o seu nível de conhecimento a alunos de países desenvolvidos. "Essa taxa é considerando o juro composto, porque se fosse juro simples, seria de mais de 400 anos". "Isso é um dado da ineficiência. Você não pode atribuir isso a nenhum outro fator. Se você dissesse que isso é um problema da criança, você teria de atribuir isso a todas as crianças brasileiras. Isso significaria dizer que a população infantil brasileira é mais burra do que a população infantil mundial", afirmou Viviane. Vivianne exemplificou a trajetória escolar das crianças e adolescentes do Brasil como um caminho percorrido de trem. Segundo ela, das 50% das crianças que ingressam no ensino fundamental público do País, 50% terminam esse nível, e 30% concluem o ensino médio. Segundo Vivianne, 20% das crianças "descem do trem" com três ou três anos e meio de escolaridade - o que equivaleria dizer que têm o nível escolar de países como Haiti ou Tanzânia. Outros 20% descem com quatro anos de escolaridade - nível comparado a países como Nicarágua ou Quênia, segundo ela. E por fim, outros 20% vão descer com cinco ou seis anos de escolaridade, o que equivaleria dizer que é no nível comparável à Argélia. "Para as crianças pobres, a educação faria muito mais diferença. Então, essas crianças pobres vão para a escola e saem dela quase sem saber nada, porque essas, que deveriam ficar até o fim para poderam mudar de patamar sócio-econômico, entram na escola e acabam saindo praticamente na mesma situação. A escola faz muito pouca diferença", afirmou. De acordo com Viviane, a justificativa básica que se dá à evasão escolar é socioeconômica, em que a criança precisa estudar e por isso, sai da escola. No entanto, ela afirma que as crianças brasileiras são muito persistentes e levam tempo até abandonar a instituição de ensino. "O que a torna propensa a sair é porque que passa muitos anos e repete porque não aprende. Então, leva dois ou três anos para fazer a mesma série e depois de patinar muito, essa criança desiste. São crianças que deveriam estar saindo do ensino fundamental, mas continuam nas primeiras séries e analfabetas e acabam pulando do trem. As crianças brasileiras só vão desistindo da escola lentamente, elas são muito persistentes". Vivianne adiantou um comparativo feito entre 1 mil municípios atendidos pelo Instituto Ayrton Senna e 1 mil municípios iguais (em nível socioecnômico, região) sem essa assitência. Comparando esses mil municípios onde a gente trabalhou com mil municípios onde a gente não trabalhou, essa diferença de resultados é muito grande". Segundo ela, a taxa de abandono escolar caiu três vezes e a de aprovações aumentou em até cinco vezes. Ela diz que esses resultados são possíveis porque é dado condições de esses municípios funcionarem de maneira mais eficiente. Crítica Viviane disse que o problema do aprendizado infantil não está na criança, mas na forma como o sistema é administrado. "A maneira está na forma como o sistema é adminitrado, que é de maneira ineficiente. É ineficiente porque não tem foco no resultado. Se a criança aprendeu ou não aprendeu não acontece nada. Se 80% das crianças fracassam, não acontece nada com o gestor, com o diretor, com o professor, com o prefeito ou com secretário. Se 80% da produção (de uma empresa) fosse falha, você acha que o diretor continuaria na posição sem nenhum tipo de conseqüência?", disse. Viviane disse que consultou um médico para saber se há alguma doença ou epidemia que tenha uma letalidade de 70% e a resposta foi negativa. Mas ela disse que na escola pública há esse índice. "É um verdadeiro exterminador de futuro. É como se o vírus da má qualidade do ensino atacasse e matasse 70% das crianças. As que saem com três ou quatro anos de escolaridade, que emprego vão arrumar? Que capacidade vão ter para tomar decisões? Que tipo de produtividade vai ser capaz de fazer? Uma pessoa com a 3ª ou 4ª série é uma analfabeta funcional", afirmou. Segundo Viviane, o único mercado que vai sobrar para as crianças nessas condições é o tráfico ou a violência. "A má qualidade do sistema educacional brasileiro é responsável por extermínio de crianças no Brasil",disse. Salários dos professores Questionada se o baixo salários dos professores teria influência na má qualidade do ensino no País, Viviane garantiu que isso é um "mito". Ela afirmou que estudos apontam que o aumento do salário dos professores não muda o rendimento do aluno. "Se criou um mito que o professor ganha mal. (Com) isso, é muito fácil as pessoas acharem que porque ele (professor) ganha mal, ele não produz, ele não funciona. Se um médico ganha mal, isso lhe dá o direito de deixar o paciente morrer? Não. Por que é aceito isso no caso do professor? Porque a conseqüência é tão letal quanto deixar um paciente morrer no hospital", afirmou.


Noticia no Jornal do Comércio


Ensino público deve ter foco em resultados

Quem pôde acompanhar na tarde de ontem a palestra e, posteriormente, conversar com a empresária e presidente do Instituto Ayrton Senna (IAS), Viviane Senna, saiu impressionado com as palavras da irmã do eterno ídolo maior do automobilismo brasileiro.
"Educação é investimento. Nenhum empresário faz um investimento que terá retorno daqui a milênios. Com as famílias pobres ocorre o mesmo. A criança entra na escola e fica patinando nas mesmas séries. Isso é antieconômico para a família, pois a criança não progride e continua dando despesas. A solução acaba sendo retirar ela da escola", afirma Viviane.
A empresária deu uma aula de como o tema deve ser abordado para que se obtenha resultados. "O sistema de ensino público no Brasil é ineficiente. Ele funcionou enquanto era para poucos. Quando entraram muitas crianças nas escolas, a qualidade caiu. É um sistema que funciona em larga escala, mas de maneira desqualificada. As famílias aceitam a falta de qualidade porque acham que só ter uma vaga na escola já é uma grande coisa", observa.
Viviane destaca a importância do papel dos grandes empresários do País e da sociedade em geral para mudar a atual realidade. "O grande desafio é melhorar a aprendizagem e reduzir as taxas de repetência e abandono escolar. A boa notícia é que é possível fazer isso com uma velocidade grande. Existe a necessidade de mudar e não é preciso levar 100 anos. Não é difícil tirar crianças de um trem que anda lentamente, para colocá-las em um trem-bala e de avançar rapidamente no ensino. As únicas coisas que são necessárias são focos na eficiência e em resultados. Educação é uma responsabilidade pública e não só governamental", enfatiza. Para a presidente do IAS, que já atendeu a 10 milhões de crianças no País e atualmente ampara 2,2 milhões em 1,4 mil municípios, o problema não está na falta de recursos. "A grande dificuldade do sistema público de educação é de gestão. Não é falta de recursos. Pense na escola como uma fábrica, mas uma fábrica de gente. Não adianta colocar mais dinheiro em uma empresa que não produz satisfatoriamente. É preciso mudar a gestão. O que o IAS faz é desenvolver processos eficientes. Nós gastamos menos de R$ 100,00 por ano, em torno de R$ 8,00 por mês com cada criança no programa Acelera, que faz com que os menores avancem vários anos na escola em um ano", diz.
Viviane afirma que a ideia de que o ensino é fraco porque os professores ganham mal não é corroborada na prática. "A insuficiência do ensino ligada ao baixo salário é um mito. Não existe nenhum estudo que prove isso. Difundiu-se a ideia de que o professor ganha mal e isso faz as pessoas acharem que, porque ganha mal, ele não produz. Se aceita que um médico que ganhe pouco deixe seu paciente morrer? Por que se aceita isso de um professor?", questiona.

Para a empresária, a ineficiência do sistema de educação pública do País atinge uma gravidade muito maior do que se acredita. "Hoje, 70% das crianças que entram no primeiro ano do Ensino Fundamental não chegam ao terceiro ano do Ensino Médio. Nenhuma doença, nenhuma epidemia no mundo tem 70% de letalidade hoje. A escola pública tem. Ela elimina 70% das crianças. É uma verdadeira exterminadora de futuros. Para as crianças pobres, a educação faz muito mais diferença. E é para elas que a escola pública hoje faz muito pouca diferença. Essas crianças acabam indo para a violência e para o crime porque é o único mercado que sobra para elas", enfatiza.

Quando se fala nas dificuldades para se resolver o problema em um curto prazo, Viviane lembra do seu irmão. "A diferença está em se ter um foco na eficiência. O objetivo tem de ser a obtenção de resultados. E é possível se fazer isso rapidamente. Basta realmente querer. Essa era a diferença do Ayrton. Quando ele queria algo e botava isso na cabeça, não desistia até conseguir. Na educação tem de ser assim também", finaliza.



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Curiosamente na Folha de São Paulo de 2 de maio surge um artigo de CESAR BENJAMIN, 53, apresentado como editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), e autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006) com o título: "Emergência nacional".

Sinceramente fiquei na dúvida se o artigo de Cesar Benjamim reforça ou contraria as palavras de
Viviane, agora que a situação é grave é.

De acordo com o articulista: "Mais do que as estatísticas econômicas, os resultados do último Enem escancaram uma emergência nacional

OS ECONOMISTAS adquiriram uma centralidade abusiva no debate contemporâneo, ao mesmo tempo em que sua visão se estreitava cada vez mais. Nada mudaria nos modelos macroeconômicos em voga se o território do Brasil fosse completamente outro, pois eles ignoram o espaço. O longo prazo -a verdadeira escala temporal em que as nações se constroem- foi substituído pelo tempo curto das operações financeiras. E as pessoas, quando muito, tornaram-se
meros coadjuvantes, na condição de força de trabalho ou de consumidores.
Predomina entre nós um pensamento que destaca e valoriza apenas o que diz respeito aos negócios.

Tal contexto contamina também o debate sobre educação. Passamos a discorrer com naturalidade sobre o papel da educação no crescimento econômico, quando deveríamos inverter a abordagem: economia é meio, educação é fim. O crescimento só tem sentido se criar condições materiais para as pessoas se libertarem de uma existência estreita, repetitiva e cansada, de modo a poderem se dedicar, cada vez mais, a obter conhecimentos, prazer estético e
transcendência, atividades humanas por excelência, que em grande medida dependem de aprendizado.

As sociedades contemporâneas pretendem realizar uma educação de massas. Isso não é trivial. Durante milênios nenhuma sociedade vislumbrou esse desafio. Lentos e caros, os processos educacionais sempre foram destinados a poucos. A proposta de educação para todos é muito recente. Na Europa, esteve ligada à criação e à consolidação dos Estados modernos: cabia aos sistemas escolares unificar a língua, disseminar uma literatura, elaborar e contar uma história, difundir direitos e deveres, tendo em vista constituir as novas identidades nacionais que substituiriam as identidades tradicionais.

O Brasil não viveu experiência similar. Nas primeiras décadas depois da Independência, nosso Estado cuidou antes de tudo de manter a unidade territorial; depois, quase até o fim do século 19, tateamos para encontrar a maneira de abolir a escravidão sem desarticular a economia primário-exportadora baseada na grande propriedade da terra, fonte do poder das oligarquias. Não fazia sentido pensar em educação de massas em uma sociedade escravista. A criação de um Ministério da Educação teve de esperar a Revolução de 1930.

No pós-guerra, difundiu-se no mundo a ideia de que o desenvolvimento econômico dependia do chamado "capital humano". Se, de um lado, ela contribuiu para legitimar esforços educacionais, de outro mostrou-se equivocada ou, pelo menos, muito insuficiente. A tipologia dos processos de
desenvolvimento não é clara até hoje, e a meu ver nunca será suficientemente clara. Para o tema desse artigo, porém, isso é irrelevante. Desejo enfatizar que educação é muito mais do que um mero suporte à economia.

É do lugar do povo brasileiro no processo civilizatório que estamos tratando. De um direito subjetivo das pessoas. De uma prática que amplia o horizonte humano de cada um e torna a vida mais plena, mais cheia de possibilidades. Um povo que alcança alto padrão educacional e civilizatório também é mais capaz de edificar uma economia moderna, é claro, pelo simples
fato de que esse tipo de economia é uma das expressões de um certo grau de civilização.

Mas não esqueçamos: economia é meio, educação é fim. Um sistema educacional ruim é uma enfermidade silenciosa, traiçoeira e grave. Mais do que as estatísticas econômicas, os resultados do último Enem escancaram uma emergência nacional.

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Por fim propomos que vejam o trailer; leiam a crítica de Marcelo Coelho ao filme "Entre os muros da escola" e assistam a entrevistas ao realizador do filme Laurent Cantet
e ao ator principal: François Bégaudeau.


A escola apresentada no filme sure como uma escola sem alma SERÁ ESSE O VERDADEIRO PROBLEMA?

Trsiler



Comentário de Isabela Boscov, editora de cinema de VEJA, ao filme que de acordo com a revista é um drama francês que conta a história real de um professor e seus alunos em uma escola da periferia de Paris.




Quando vi o trailer, achei que não assistiria ao filme de jeito nenhum. Essa história de mostrar um professor bem-intencionado toureando uma classe de adolescentes desajustados e estúpidos... Haja paciência, pensei.
Mas "Entre os Muros da Escola", filme de Laurent Cantet, prende a atenção do início ao fim. Estamos longe de assistir a um daqueles relatos heroicos e idealistas, ao gosto do cinema clássico americano, em que um mestre excepcional regenera o bando de trombadões à sua frente.
O que se mostra, numa escola pública da periferia de Paris, é uma série de situações em que todos estão errados: os alunos, o professor, a instituição escolar, a sociedade globalizada, os princípios da República Francesa. Bela coisa, dirá o leitor brasileiro, consciente do estado calamitoso dos "estabelecimentos de ensino" - belo nome, este - que temos por aqui.
As diferenças são enormes, com efeito. Na
França, tudo é muito organizadinho, os professores não faltam, parecem satisfeitos com o salário, as classes são pequenas, o padrão de exigência é elevado. Questões de droga não são mencionadas no filme.
Mas os problemas enfrentados pelo professor François
e seus alunos parecem igualmente desesperadores. A classe é multicultural: marroquinos, antilhanos e franceses brancos não se entendem sobre coisa nenhuma, e muito menos entendem algumas palavras e expressões correntes utilizadas pelo professor.
"Suculento", "estar com a pulga atrás da orelha", "austríaco": o professor é obrigado a explicar tudo, enquanto destrincha, por exemplo, a métrica de um poema de
Rimbaud para seus alunos de 14 anos.
Seria o clássico exemplo da falta de formação básica dos adolescentes, que conhecemos bem no Brasil. Acontece que a França é a França, e isso acaba piorando as coisas. O professor segue um padrão sarcástico e impiedoso, a que foi provavelmente exposto durante sua própria formação escolar.
Cada aula se transforma numa sessão de tortura, em que prêmios escassos e humilhações constantes, e quase inconscientes, distribuem-se numa velocidade de tiroteio.
Um jovem muçulmano confessa, a certa altura, ter vergonha de comer na presença da mãe de um colega, com quem não tem intimidade. Provavelmente, algum traço cultural de seu país; uma delicadeza que desconhecemos. O professor não se conforma, espreme o garoto com perguntas embaraçosas, como se quisesse provar o absurdo da atitude.
Embora tudo transcorra de forma até certo ponto velada, a situação não deixa de refletir uma concepção típica do republicanismo francês: não apenas a lei tem de ser igual para todos, mas também a escola tem de ser um lugar onde se formam cidadãos teoricamente iguais uns aos outros -nunca um lugar onde se afirmam diferenças de cultura e de religião.
Uma política educacional centrada nas "diferenças", nas "identidades", sem dúvida terminaria fragmentando demais a sociedade. Esmagá-las, com notas baixas no boletim e ironias em classe, está longe de ser a solução. Um professor, evidentemente, é tão humano quanto qualquer aluno, e pode errar a qualquer momento.
O protagonista de "Entre os Muros da Escola" erra muitíssimo; até aí, tudo normal. Mas é fascinante ver que, quando erra, acaba tendo a mesma atitude do pior de seus alunos: finge inocência, esconde o que fez, enrola seus colegas e superiores...
E a dramaticidade maior do filme está nas breves ocasiões em que, talvez, tudo pudesse ter um desfecho diferente. Uma pequena luz brilha nos olhos do aluno indolente, um grão de autoestima começa a brotar no espírito do adolescente humilhado.
Desaparecem: tudo se resolve na aplicação dos regulamentos, das normas. Uma falta assustadora de flexibilidade e de afeto destrói por dentro aquele sistema educacional organizadíssimo -e cego para as necessidades de cada ser humano, aluno ou professor.
Os personagens -vividos pelo mais extraordinário conjunto de atores que se pode imaginar- sobrevivem como podem, sofrendo e se irritando, numa atividade cujo sentido e cuja alma se perderam. Perderam-se há tanto tempo, que ninguém mais lembra que deveriam existir.


Entrevista a François Bégaudeau, escritor, corroteirista e ator principal do filme





Podem tambem ler uma entrevista do realizador do filme: Laurent Cantete à Folha de São Paulo em 10 de março de 2009

Para diretor de vencedor de Cannes, sala de aula é "microcosmo da sociedade"

"A Palma de Ouro é a mais bela recompensa que um cineasta pode querer", diz Laurent Cantet, 47, que recebeu o prêmio máximo do Festival de Cannes no ano passado, com "Entre os Muros da Escola", seu quinto longa-metragem.

O que o deixou mais feliz que a recompensa, porém, foi ver projetada por meio dela "uma imagem oficial da França fiel à diversidade mostrada no filme". Trata-se de uma França multiétnica, mas em busca de uma linguagem comum, como ele cita na entrevista a seguir.

Folha - Por que o tema da escola?
LAURENT CANTET - Ao observar o que ocorre nessa etapa da vida, podemos abordar as questões principais com que somos confrontados na sociedade: que lugar ocupamos num grupo; que relação estabelecemos com a hierarquia e a disciplina; por que uma linguagem comum é importante? Uma sala de aula é um microcosmo que descreve mais largamente a sociedade.
Também tinha vontade de filmar adolescentes, porque é o momento em que começamos a refletir sobre quem somos, o papel que teremos no mundo e que atitude teremos face a todas as questões. É o momento em que o senso crítico nasce.

Folha - Por que o sr. acha "os atores mais honestos do que as pessoas que atuam em documentários"?
Cantet - Quando alguém é tema de um documentário, forçosamente fala de si mesmo. Isso envolve muito pudor ou o desejo de ser um pouco mais brilhante do que se é, além da dificuldade inerente ao fato de falar sobre si. Quando se está protegido por um personagem, pode-se ser mais sincero, falar tudo, porque tem-se a impressão de que irão julgar o personagem, não você mesmo. Acho que, por isso, os atores atingem uma generosidade superior.

Folha - O sr. escalou para o elenco jovens vindos de um ambiente semelhantes ao que a trama retrata. Quis ficar no campo da autoficção?
Cantet - Os atores não interpretam necessariamente personagens parecidos com eles. Em alguns casos, isso de fato existe. A garota que faz Esmeralda se parece muito com a personagem. Gosta de discutir e quer ter sempre a última palavra. Por outro lado, o ator que faz Soulemane é muito gentil, muito doce, quase tímido. Foi preciso que trabalhássemos juntos para endurecê-lo. Arthur, o gótico no filme, não tem nada de gótico na vida real, mas se divertia com a ideia de defender esse personagem.

Folha - E quanto ao autor do livro autobiográfico no qual o filme se baseia, François Bégaudeau, que interpreta no filme o papel do professor?
Cantet - Em sua relação geral com a classe, François está muito próximo do que poderia ser quando era professor. Mas, na segunda parte do filme, a culpabilidade e o dilema que vive no episódio de Soulemane [aluno submetido a um conselho disciplinar que julga sua eventual expulsão do colégio] são reações que ele não teria daquela forma. Ele seria muito mais ativo. François construiu aquilo, aceitou o personagem.

Folha - Houve quem visse no filme uma prova de que o sistema educacional francês está falido e que integrar imigrantes é nocivo à França. Isso o incomoda?
Cantet - Quando faço um filme, quero lançar perguntas, descrever a complexidade do tema que abordo. Não quero encontrar soluções, porque creio que a complexidade das situações não comporta soluções fáceis. Refletindo a partir do filme, cada um irá comparar o que ele propõe com a sua própria experiência. É claro que as leituras serão muito diferentes, segundo a experiência de cada um. É fato que houve manifestações reacionárias. Não me sinto responsável pelo conservadorismo dessas pessoas, acho que o filme não mudou a maneira como elas veem o mundo. Talvez tenha servido para confirmar ideias que elas já tinham, mas não é responsável por essas ideias. De todo modo, ele suscitou um debate, e o debate me interessa, qualquer debate. É assim que as coisas avançam numa democracia.

Folha - Como os atores estreantes lidam com o sucesso repentino?
Cantet - Isso me deixou muito inquieto, me deu medo. Tentamos protegê-los, mas eles tiveram uma atitude muito clara em relação ao assédio da mídia: o grupo sempre foi mais importante para eles do que cada um, individualmente. Nunca alguém tentou bancar a estrela. Eles viveram isso não com frieza, porque desfrutaram de todas as alegrias que tivemos, mas mantendo o pé no chão.

Folha - O ator Sean Penn, presidente do júri que deu a Palma de Ouro ao seu longa, disse que ele tem "tudo o que se pode querer de um filme". O sr. tem a sensação de que fez o filme perfeito?
Cantet - Tenho muito prazer em ouvir Sean Penn dizer isso, mas não. Tenho a impressão de ter feito o filme que queria, mas há muitas coisas nele que me incomodam. O que me agrada na reação das pessoas é a dúvida sobre se é uma ficção ou um documentário. Gosto de sentir que as pessoas são interrogadas pelo filme a propósito de seu próprio status.

Folha - Trabalhando ainda na divulgação de "Entre os Muros da Escola", o sr. já conseguiu desenvolver um novo projeto?
Cantet - Não, mas tenho a certeza de que encontrei com esse filme a minha forma de trabalhar e quero começar o próximo no mesmo espírito.

Folha - Então seus novos filmes desafiarão o espectador sobre seu status de ficção ou documentário?
Cantet- Sim. O cineasta que mais me comove é Roberto Rossellini. Quando vemos "Roma - Cidade Aberta" ou "Alemanha - Ano Zero", percebemos uma parte documental muito forte, mas esse lado documental nunca bloqueia a emoção. É isso o que procuro.


Postado em 03 de maio de 2009 por João José Saraiva da Fonseca - ultimas alteracoes em 8 - 9 de maio de 2009

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