A linguagem, as coisas e seus nomes

Eduardo Galeano publicou em 02 de maio de 2009 no Boletim Carta Maior um interessante texto (pelo menos na minha opinião) de titulo:

"A linguagem, as coisas e seus nomes"

Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública. O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado. O imperialismo se chama globalização. As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões. O oportunismo se chama pragmatismo. A traição se chama realismo. Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos.

Na era vitoriana era proibido fazer menção às calças na presença de uma senhorita. Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública:

O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado;

O imperialismo se chama globalização;

As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões;

O oportunismo se chama pragmatismo;

A traição se chama realismo;

Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos;

A expulsão dos meninos pobres do sistema educativo é conhecida pelo nome de deserção escolar;

O direito do patrão de despedir sem indenização nem explicação se chama flexibilização laboral;

A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria;
em lugar de ditadura militar, se diz processo.

As torturas são chamadas de constrangimentos ilegais ou também pressões físicas e psicológicas;

Quando os ladrões são de boa família, não são ladrões, são cleoptomaníacos;

O saque dos fundos públicos pelos políticos corruptos atende ao nome de
enriquecimento ilícito;

Chamam-se acidentes os crimes cometidos pelos motoristas de automóveis;

Em vez de cego, se diz deficiente visual;

Um negro é um homem de cor;

Onde se diz longa e penosa enfermidade, deve-se ler câncer ou AIDS;

Mal súbito significa infarto;

Nunca se diz morte, mas desaparecimento físico;

Tampouco são mortos os seres humanos aniquilados nas operações militares: os mortos em batalha são baixas e os civis, que nada têm a ver com o peixe e sempre pagam o pato, danos colaterais;

Em 1995, quando das explosões nucleares da França no Pacífico Sul, o embaixador francês na Nova Zelândia declarou: “Não gosto da palavra bomba. Não são bombas. São artefatos que explodem”;

Chama-se Conviver alguns dos bandos assassinos da Colômbia, que agem sob proteção militar;

Dignidade era o nome de um dos campos de concentração da ditadura chilena e Liberdade o maior presídio da ditadura uruguaia;

Chama-se Paz e Justiça o grupo militar que, em 1997, matou pelas costas quarenta e cinco camponeses, quase todos mulheres e crianças, que rezavam numa igreja do povoado de Acteal, em Chiapas.

(Do livro De pernas pro ar, editora L&PM)

Do texto se retira a importância da leitura crítica dos mídia e da educomunicação, enquanto forma de permanentemente propor uma reflexão sobre o poder dos media na construção deimagens, operando ao serviço do poder dominante.

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Eduardo Galeano tinha publicado uma reflexão sobre a linguagem, dessa vez chamada de "Linguagem e medo global".

Na era vitoriana, as calças não podiam ser mencionadas na presença de uma senhorita.

Hoje, não fica bem dizer certas coisas na presença da opinião pública. O capitalismo ostenta o nome artístico de economia de mercado, o imperialismo chama-se globalização.

As vítimas do imperialismo chamam-se países em vias de desenvolvimento, o que é como chamar de crianças aos anões.

O oportunismo chama-se pragmatismo, a traição chama-se realismo.

Os pobres chamam-se carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos.

A expulsão das crianças pobres do sistema educativo é conhecida sob o nome de deserção escolar.

O direito do patrão a despedir o operário sem indemnização nem explicação chama-se flexibilização do mercado laboral.

A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria.

Ao invés de ditadura militar, diz-se processo.

Quadro de Fernando Botero. As torturas chamam-se pressões ilegais, ou também pressões físicas e psicológicas.

Quando os ladrões são de boa família, não são ladrões e sim cleptómanos.

O saqueio dos fundos públicos pelos políticos corruptos responde pelo nome de enriquecimento ilícito.

Chamam-se acidentes os crimes cometidos pelos automóveis.

Para dizer cegos, diz-se não visuais, um negro é um homem de cor.

Onde se diz longa e penosa enfermidade deve-se ler cancro ou SIDA.

Doença repentina significa enfarte, nunca se diz morte e sim desaparecimento físico.

Tão pouco são mortos os seres humanos aniquilados nas operações militares.

Os mortos em batalha são baixas, e as de civis que a acompanham são danos colaterais.

Em 1995, aquando das explosões nucleares da França no Pacífico Sul, o embaixador francês na Nova Zelândia declarou: "Não me agrada essa palavra bomba, não são bombas. São artefactos que explodem".

Chamam-se "Conviver" alguns dos bandos que assassinam pessoas na Colômbia, à sombra da protecção militar.

Dignidade era o nome de um dos campos de concentração da ditadura chilena e Liberdade a maior prisão da ditadura uruguaia.

Chama-se Paz e Justiça o grupo paramilitar que, em 1997, metralhou pelas costas quarenta e cinco camponeses, quase todos mulheres e crianças, no momento em que rezavam numa igreja da aldeia de Acteal, em Chiapas.
O medo global

Os que trabalham têm medo de perder o trabalho.

Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho.

Quem não tem medo da fome, tem medo da comida.

Os automobilistas têm medo de caminhar e os peões têm medo de ser atropelados.

A democracia tem medo de recordar e a linguagem tem medo de dizer.

Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas.

É o tempo do medo.

Medo da mulher à violência do homem e medo do homem à mulher sem medo.


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Para complementar a informação, propomos que assistam a uma Intervenção de Eduardo Galeano no I Fórum Social Mundial, realizada em 2007 em Porto Alegre, em que presenta a sua opiniao pessoal sobre algumas questões do mundo atual.



Curiosas afirmações de Galeano

“A linha do Equador não atravessa pela metade o mapa-múndi que aprendemos na escola. Há mais de meio século o investigador alemão Arnold Peters constatou aquilo que todos tinham olhado e ninguém tinha visto: o rei da geografia estava nu. O mapa-múndi que nos ensinaram dá dois terços para o Norte e um terço para o Sul. No mapa, a Europa é mais extensa do que toda a América Latina, embora, na verdade, a América Latina tenha o dobro da superfície da Europa. A Índia parece menor do que a Escandinávia, embora seja três vezes maior. Os Estados Unidos e o Canadá, no mapa, ocupam mais espaço do que a África, embora correspondam a apenas 2/3 do território africano. O mapa mente. A geografia tradicional rouba o espaço, assim como a economia imperial rouba a riqueza, a história oficial rouba a memória e a cultura formal rouba a palavra. Existe um só lugar onde o Norte e o Sul do mundo se enfrentam em igualdade de condições, é um campo de futebol do Brasil, na foz do rio Amazonas. A linha do Equador corta pela metade o estádio Zerão, no Amapá, de modo que cada equipe joga um tempo no Sul e outro tempo no Norte.”

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Na sua obra "DE PERNAS PRO AR - A Escola do Mundo ao Avesso" Galeano refere:


Pontos de vista /1

Do ponto de vista da coruja, do morcego, do boêmio e do ladrão, o crepúsculo é a hora do café-da-manhã.

A chuva é uma maldição para o turista e uma boa notícia para o camponês.

Do ponto de vista do nativo, pitoresco é o turista.

Do ponto de vista dos índios das ilhas do Mar do Caribe, Cristovão Colombo, com seu chapéu de penas e sua capa de veludo encarnado, era um papagaio de dimensões nunca vistas.


Pontos de vista /2

Do ponto de vista do sul, o verão do norte é inverno.

Do ponto de vista de uma minhoca, um prato de espaguete é uma orgia.

Onde os hindús vêem uma vaca sagrada, outros vêem um grande hambúrguer.

Do ponto de vista de Hipócrates, Galeno, Maimônides e Paracelso, havia uma enfermidade no mundo chamada fome.

Do ponto de vista de seus vizinhos no povoado de Cardona, o Toto Zaugg, que andava com a mesma roupa no verão e no inverno, era um homen admirável:

- O Toto nunca tem frio - diziam.

Ele não dizia nada. Frio ele tinha, o que não tinha era agasalho.

- existem os dentes, se não ficarem juntos na boca? Existem os dedos, se não ficarem juntos na mão?

- a Europa aprovou a lei que transforma os imigrantes em criminosos. Paradoxo de paradoxos: a Europa, que durante séculos invadiu o mundo, fecha a porta no nariz dos invadidos, quando eles querem retribuir a visita.


- A propósito de Aleijadinho, Garrincha e Oscar Niemeyer, Galeano comenta:

"Nossa região é o reino dos paradoxos.
Vejamos o caso do Brasil.
Paradoxalmente, Aleijadinho, o homem mais feio do Brasil, criou as mais altas formosuras da arte da época colonial.
Paradoxalmente, Garrincha, arruinado desde a infância pela miséria e pela poliomielite, nascido para a desdita, foi o jogador que mais alegria ofereceu em toda a história do futebol;
E paradoxalmente, Oscar Niemeyer já cumpriu cem anos de idade e é o mais novo dos arquitetos e o mais jovem dos brasileiros".




Postado em 09 de maio por Joao Jose Saraiva da Fonseca

Comentários

Jenny Horta disse…
Excelente este blog! Com certeza ficarei sócia pois será super informativo para o meu curso de graduação.
Suzana Gutierrez disse…
Oi João!

Seja bem vindo!

abraço

Suzana Gutierrez

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