Museu dos relacionamentos

Interessante reflexão sobre o lar, apresentado como "Museu dos relacionamentos".

Quando falmos em violência, será que parámos para refletir sobre a nossa contribuição para a construção e manutenção desse museu???

Museu dos relacionamentos


Tudo vai bem até que chegamos em casa. Se tem um lugar que se tornou arena de disputa dos sexos é o lar. As mulheres conquistaram o mundo e os homens fazem as unhas, mas quando eles se encontram no espaço doméstico vê-se que pouca coisa mudou. O lar é uma espécie de museu dos relacionamentos, ali tudo é como sempre foi. Por mais moderna, inteligente e com cargos de gerência que tenha uma mulher, quando ela chega em casa o mundo que a aguarda é o mesmo da senhora sua avó – com a diferença que agora tem máquina de lavar, microondas e outra comodidades feitas para a mulher, não para o homem.

O mundo pode ter mudado e vem mudando, mas não o lar. Por mais televisões de 42 polegadas e computadores que nele haja o fato é que continua sendo o mesmo lugar. Todas as concessões e conquistas feitas pelas mulheres no mundo encontra sua parada na soleira da porta da casa. “O lar brocha” me disse alguém. Por alguma razão ali nos transformamos em alguma coisa que não somos nós. Se somos legais no lar somos chatos, se somos participativos e realizadores no lar somos acomodados e preguiçosos. Quando chegamos no espaço doméstico qualquer diferença vira brigas intermináveis, disputas sem fim, e uma vontade louca de mandar tudo para o espaço. Mas por que isso?

O problema do espaço doméstico é que ele foi inventado numa época em que mais importante que “eu” era “nós”. Mais importante do que o indivíduo era o coletivo – a família, a comunidade. O lar se transformou num pequeno mundo complicado que nos pede todos os dias uma parte de nossas energias para solucionarmos “seus” problemas. Somos prontos e ágeis para resolvermos nossos pessoais problemas, mas quando o problema sou “eu” o “outro” e os “outros”, perdemos as estribeiras. Até comer se transforma num pesadelo: “o que vamos comer, que horas vamos comer, vamos comer aqui ou fora, carne ou sopa, salada ou frango, pizza ou lanche?”. Os computadores funcionam bem por que são individuais, imagina você dizendo ao seu marido “dá para digitar na metade da tela que estou vendo este site de plantas exóticas”. Por que em cada quarto tem uma TV, simplesmente por que controle remoto não se divide.

O lar é sinônimo de “nós” e, esse é o problema. Não nos reconhecemos nesse terceiro ente; eu sou eu, ela é ela, quem é “nós”? O espaço doméstico deixou de ser, como era em tempos outros, o lugar do refúgio, do descanso, o lugar doce e familiar em oposição a um mundo hostil e frio que vinha até o portão de casa. Hoje não é para casa que queremos voltar, mas é na rua que queremos continuar. Aos poucos e, cada vez mais, tão logo saímos do trabalho o lugar que mais queremos estar é num bar, tomando um chopp com os amigos e por ali ficar até nos esquecermos que temos outros mundos para resolver. A rua agrada por que a rua não dialoga com “nós”, ela é a expressão do “eu”, ali tudo decidimos sozinhos, ali encontramos outros igualmente sozinhos e que podem - sem ter que perguntar e discutir sobre a melhor opção - tomar uma atitude sem perguntar nem se importar com as preferências alheias. Preferências que vez ou outra temos prazer em conceder por que sabemos que não precisamos fazer sempre. Na rua sou “eu”, não há decisões a serem tomadas nem problemas me aguardando para serem resolvidos.

O lar ficou frio e hostil na mesma velocidade que a rua ficou atraente e convidativa. Observe as pessoas que se divorciam e se separam, o primeiro lugar que nós a encontraremos é num bar, restaurante ou coisa assim. Na Europa, Londres por exemplo, as pessoas não voltam mais para casa, ficam nos pubs até altas horas... de manhã voltam ao trabalho. Aqui lar é sinônimo de pessoas que moram juntas mas não compartilham a vida.

Dê uma olhada nas pesquisas do IBGE, aumenta ano a ano os que preferem morar sozinhos a dividir uma casa com alguém. Isso por que o lar virou museu a nos lembrar de outros tempos que cada vez nos identificamos menos. Uma última palavra, viver sozinho não quer dizer vivem sem ninguém.

Fonte: Luciano Alvarenga, Sociólogo


Postado em 7 de fevereito de 2009 por João José Saraiva da Fonseca

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